terça-feira, 17 de julho de 2007

Certeza

- Sabe cara, hoje eu tava pensando...
- Hmm.
- Hoje eu tava pensando.
- Sei. No quê?
- Coisas.
- Coisas?
- É.
- Não faz isso muito não. Não faz bem. Sério, cara.
- É que sei lá...
- A gente fica doido.
- Não, tá, mas é que... Veja bem, não é tão difícil de entender, mas na prática...
- Tô te ouvindo.
- Assim... Como saber se alguém gosta mesmo da gente, hein? Como saber se alguém te ama? Como? Cê sabe?
- Perguntando.
- Não... Não, não assim. Tô falando saber de verdade, ter certeza. As pessoas costumam dizer apenas o que é mais cômodo, fácil, apropriado pro momento, sei lá. Nem sempre é o que pensam mesmo, ou o que sentem.
- Quase nunca é.
- É. Nunca.
- É.
- Difícil isso. Quer dizer que a gente vai sempre ficar na dúvida.
- É.
- Mas não dá! Não me conformo com isso. Tipo, se eu chegar pra minha mulher e disser que a amo, mesmo, é porque a amo.
- Bem, isso é o que você diz.
- Mas é a verdade!
- Ela pode achar que não.
- Por que não?
- Ué, como ela vai ter certeza? Você mesmo acabou de dizer que não dá pra ter certeza. Ela não teria certeza. Você não teria certeza se ela dissesse. Hoje em dia qualquer um sai dizendo “eu te amo” pra qualquer um.
- Não eu!!!
- Ah, legal. Bonito isso, cara. Mas deu no mesmo.
- Mas olha, eu sei de tudo isso que você falou, mas... Deve haver algum jeito. Uma prova de amor? A-ha!!! Exigir uma prova de amor!!! Que tal?
- Tipo?
- Tipo pedir pra ela algo especial, um sacrifício, algo assim. Pedir que ela corte uma orelha fora por você! Como Van Gogh! Uma orelhinha só, nem faria tanta falta.
- Pra mim faria.
- Sei, mas o que você acha?
- Acho isso uma idéia besta. Acho que isso só provaria que você é um doente. E que não gosta dela de verdade.
- ... entendi...
- Olha só, você tem religião?
- Sim.
- Pois é. De repente, ser amado por alguém é tipo isso. É passar a vida acreditando em uma coisa sobre a qual você talvez só vá ter certeza quando chegar ao fim.
- Ao fim de que?
- De tudo.
- Você acha?
- Ahãn.
- Pô, mas aí... pô... chato isso, né?
- Sempre é. Mas nem faz muita diferença.
- Não?
- Não.
- Por que?
- Você não tem como ter certeza de que ela te ame ou se é só da boca pra fora, certo? E ela não tem certeza se você a ama assim também. Então te pergunto: você já conseguiu evitar amar alguém só porque esse alguém não te amava?
- Não.
- Então, meu caro, nem tenho mais nada pra te falar. Acredite no que quiser, relaxe, curta o que você tem se te faz bem e siga em frente...
- Tá certo...
- Falei que não valia a pena ficar pensando nisso.
- É. Mas tá beleza. É isso aí. Você saca das coisas, cara. Sério, você é mestre.
- Que nada. Eu só tô tentando. Que nem todo mundo.
- Então.
- Então.
...

- Escuta, o Fluminense ganhou ontem?
- Fluminense? Não, ganhou não. Perdeu, dois a zero.
- Sei. Me passa esse paliteiro aí.
- Claro.
- Valeu.

5 comentários:

Anônimo disse...

Bom, pelo visto é isso... algo de mim pra mim que vai pra você e algo de você pra você que vem pra mim... a gente sabe que vai, mas nunca vai saber se o que foi alcançou seu destino!!! E fica assim: eu sei que você sabe que eu sei que você sabe, mas ninguém tem certeza, aliás (clichê descontrolado) a única certeza que a gente tem nessa vida é da morte!!!
Beijos beijos

mario elva disse...

O autor devia esquecer esse negócio de amor e concentrar-se nos mistérios insondáveis do universo, que costumam dar menos dor de cabeuça. Cabeuça mesmo, viu?

Anônimo disse...

É... sei lá...
mas, talvez, melhor do que se saber amado é saber-se amando! Pelo menos disso tem-se certeza (às vezes).

Marcos AM Ramos disse...

Saber-se amando é sentir-se amando? Será que mesmo desse lado é possível se ter certeza? A minha questão foi justamente: e é preciso ter certeza?
Acho aquela oração a São Francisco de Assis muito linda, mas como ainda estou longe da beatificação, vou deixar esse lance de "Fazei que eu procure mais amar que ser amado" pra outra encarnação. No momento, quero amar tanto quanto ser amado.

Anônimo disse...

"Certeza" me lembrou o "Banquete" de Platão, pois pelos nossos próprios argumentos às vezes somos traídos, rs... e nos enganamos e contradizemos. Isso bem legal e divertido, de certa forma. Tb me lembra algo que um dia conversei com nossa amiguinha Quequel. Como sabermos se determinado amor foi "o amor de nossas vidas", se ainda não a findamos,.... Sempre que nos apaixonamos, achamos que é mais forte, que AGORA é diferente, mas o curioso é que sempre caímos nas mesmas ciladas, ilusões ou enganos. Mas, afinal, o que importa, como vc me perguntou noutro dia, não é? Já me perguntei se mais valeria "não amar", para "não sofrer", mas os poetas já me responderam que "o não amar" é a maior dor... E quem saberá dizer qual é a maior dor, hum?