quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

10


O DDV tem andado preguiçoso, eu sei. Há tempos não surge um post novo aqui, e nem é por falta de ideias, apenas a mais pura e legítima preguiça de passar para a tela o que se passa pela cabeça.

Mas eu não poderia deixar de vir aqui e desejar aos meus leitores e às minhas leitoras um FELIZ 2010!!!

É costume desejar que o ano novo seja melhor para nós do que o ano que passou, mas eu vou fazer um pouco diferente aqui:  desejo que nós sejamos melhores nesse próximo ano do que fomos em todos os que se passaram até agora.

A gente se vê ano que vem!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"Here With Me" - Dido



I didn't hear you leave
I wonder how am I still here
And I don't want to move a thing
It might change my memory

Oh, I am what I am
I do what I want
But I can't hide

And I won't go
I won't sleep
I can't breathe
Until you're resting here with me
And I won't leave
And I can't hide
I cannot be
Until you're resting here with me

I don't want to call my friends
For they might wake me from this dream
And I can't leave this bed
Risk forgetting all that's been

Oh, I am what I am
I do what I want
But I can't hide

And I won't go
I won't sleep
And I can't breathe
Until you're resting here with me
And I won't leave
And I can't hide
I cannot be
Until you're resting here

And I won't go
And I won't sleep
And I can't breathe
Until you're resting here with me
And I won't leave
And I can't hide
I cannot be
Until you're resting here with me

Oh, I am what I am
I do what I want
But I can't hide

And I won't go
I won't sleep
And I can't breathe
Until you're resting here with me
And I won't leave
And I can't hide
I cannot be
Until you're resting here

And I won't go
And I won't sleep
And I can't breathe
Until you're resting here with me
And I won't leave
And I can't hide
I cannot be
Until you're resting here with me...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Lados


Petrarco aproveitou o feriado no litoral, caminhou no litoral.

Sentou-se na areia, viu o mar, mas não conseguiu chorar como gostaria, como queria, não estava acostumado. O sal lhe ardia os olhos e o vento secava possíveis lágrimas antes que tivessem qualquer chance de ser. Ventava muito naquele dia. Talvez devesse ter ido de manhã cedo. Concluiu que era muito preguiçoso, ou pouco prático, ou talvez simplesmente não dependesse dele.

Respirou maresia demais. Observou as meninas que jogavam frisbee. Ali, sentado, ouvindo o mar e o vento - e amaldiçoando o vento -, Petrarco questionou-se se as pessoas são mais receptivas a quem senta do lado direito ou do lado esquerdo delas. Não achou resposta e achou completamente irrelevante saber se há alguma, não via uso pra isso.

Pra que tanto?

Apenas ficar quieto, boa opção, um descanso pelo tempo possível. Seu coração, no entanto, parece não descansar jamais. Percebeu que era hora de ir quando seu dono se levantou e lhe puxou pela coleira.

domingo, 1 de novembro de 2009

"The Last Good Day Of The Year" - Cousteau


(Esta canção é dica do blog there's only 1 alice)

Don't tell me
That you get sick of living
When the summer's so forgiving although we have stolen
All of the things that we though we had owned then
Have disappeared

All these things in flavour
Won't do you no favours
When the summer's light is fragrant with scents of returning
You relent, you resent, now you're burning
For nothing to change....

There's something there...
(among the fallen fruit and flowers)
Won't rest
(only minutes, only hours)
Unless
(now the morning breaks in showers)
I guess
We'll remember this all of our lives
On the last good day of the year

All the leaves are turning
Autumn's fingers burnished
Furnished here in hope and in faith in the meantime
Kinda working my way through a dream I was having alone
Was having alone

There's something there...
(among the fallen fruit and flowers)
Won't rest
(only minutes, only hours)
Unless
(now the morning breaks in showers)
I'm left
With the north wind breathing down my neck...
On the last good day of the year...

There's something there...
(among the fallen fruit and flowers)
Won't rest
(only minutes, only hours)
Unless
(now the morning breaks in showers)
I guess
We'll remember this all of our lives
On the last good day of the year

(Obrigado, lebre do arrozal.)

domingo, 18 de outubro de 2009

Loucos


Antônio observava loucos. No ônibus, ficava quieto e quase imóvel, movendo apenas seus olhos para identificar os que surgissem ao redor. Uma senhora falava sozinha e sem parar, mas nada se ouvia do que ela dizia. Um senhor reclamava de tudo, absolutamente tudo, praguejando e chamando por Deus e Jesus Cristo vez ou outra. Uma menina meio emo, meio roqueira, meio qualquer coisa desse tipo fungava com frequência e ritmava fortes piscadas de olho com as fungadas que dava. Antônio achou que ela era lésbica e depois se perguntou por que achara que ela era lésbica, mas não soube responder, mesmo continuando a achar o que achou.

Assim, Antônio ia fazendo seu inventário dos loucos que encontrava pelo mundo. A velha que falava sozinha em silêncio, o velho que praguejava aos berros em nome de Deus e a lésbica que fungava e piscava de forma ritmada eram agora os novos listados e juntavam-se
- ao travesti coberto de talco que anda pela rua murmurando "que nojo, que nojo";
- ao homem que grita "SIM!" enquanto desenha anjos gigantes no asfalto com um pedaço de gesso;
- à bêbada que chora pelas ruas chamando por sua "mãezinha" e pedindo R$2,00 a todos que passam;
- a tantos outros.

Sua sala e seu quarto eram tomados por bloquinhos que catalogavam os loucos já encontrados, mas não havia como organizá-los em ordem alfabética, uma vez que não se sabia o nome de nenhum dos listados. Eram meramente empilhados em ordem cronológica, e isso frustrava Antônio.

Era uma tarde morna e Antônio voltava pra casa olhando as multidões de forma meticulosa, mas todos pareciam inesperadamente normais naquele dia. Lembrou de que precisava ir ao banco fazer um depósito ou sacar um dinheiro, não conseguia saber ao certo, mas apostou consigo que, chegando na agência, certamente lembraria do que fazer. Na fila, aguardava atento (quem sabe um louco lá talvez), mas a única coisa que chamou sua atenção foi a imensa bunda de uma senhora gorda que vestia uma justa calça de ginástica que não lhe caberia em qualquer outro contexto social que não fosse o do Rio de Janeiro. Perdeu-se tanto em devaneios ao olhar para aquela bunda disforme que sua demora foi suficiente para a mulher notar que era observada. Antônio deu-se conta quando já não havia mais o que fazer. A mulher virou-se com fúria e gritou "TÁ OLHANDO O QUE, Ô BABACA?!?!? VÁ OLHAR PRA TUA MÃE, SEU IDIOTA!!! SEU LOUCO!!!".

Antônio sentiu um choque gelado. Saiu do banco apressado, correu pelas ruas, chegou em casa bufando, suando. Avançou em direção ao primeiro de todos os seus blocos, o primeiro, onde tudo começou. Respirou. Pegou uma caneta. Respirou fundo. Escreveu, anotou, desabou sobre seus joelhos e libertou seu pranto em soluços.

Finalmente havia uma ordem alfabética. Finalmente, lá estava, grande e azul, imponente, a primeira...

... a letra "A".

"A", de Antônio: o louco que desperdiçava sua vida observando a vida dos outros loucos.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Quantas


Deve haver uma forma mais fácil, e se eu descobrir qual é, juro que na próxima vinda eu tento.

Dessa vez, agora, já foi. Eu até tinha achado que daria, que tinha como ser, repito para o meu reflexo no espelho do banheiro que o que se podia foi, de fato, tentado. No entanto, quando paro e fico olhando um pouco mais fixamente para o reflexo, ele levemente parece acenar que não.

Se TUDO o que se podia foi tentado? Foi sim, mas não foi alcançado. Se o resultado esperado foi mesmo o que aconteceu, impossível precisar, mas se ao menos foi o resultado honesto, talvez isso explique a serenidade que agora sinto diante de algo que é mais do que a escolha que fiz, mais do que o caminho que se desenvolveu naturalmente diante de mim: é o justo. Antes de dar o passo matinal que me levará para fora, levo a mão lentamente rumo à maçaneta antiga da porta da sala, já meio solta e com bastante folga, mas igualmente tão bonita em sua idade, e pergunto quantas mais. Quantas? Tantas.

Nas noites em que passo horas calado por falta de ter com quem falar e não como por não imaginar o que comer, deito tarde para dormir e percebo com mais clareza que o chão do quarto tem um leve declive, e que a cabeceira da minha cama (que não tem cabeceira, mas sim um lado escolhido para ser o da cabeça) fica na parte mais baixa. O sangue a mais que passa a visitar o cérebro ao longo da madrugada deve estar sendo o responsável pelos sonhos que ando tendo, nos quais aparecem todos ou quase todos que conheço, que estão ou que já estiveram na minha vida. Tenho sonhado com grandes grupos de pessoas, amigos e familiares. Estamos numa festa, num restaurante, numa casa de praia, na faculdade, na empresa ou em elevadores imensos e sem paredes... Inúmeros, incontáveis, tanta gente, pessoas em quem eu nem penso ao longo do dia, de quem sequer me lembrava. Aparecem todos juntos, interagindo até mesmo indepentes de mim, justo de mim, o sonhador, aquele que os sonha durante aquele espaço de tempo impreciso, aquele sem o qual nenhum deles estaria ali.

Nessa hora, meu ventilador de teto me atenta para o fato de que, a despeito do que eu imaginava, a vida não congela fora do meu campo de visão. "Mas como?", digo franzindo. Pois é. Surpresa surpresa: as pessoas com quem convivo continuam a fazer coisas quando não estão comigo. Isso inclui aquelas que um dia amei... Outras pessoas falam com elas coisas que não ecoam até onde estou, vivem amores que não compreendo, fazem cenas que não assisto e sentem perfumes que não provo. Existe um "depois" na vida delas, um depois onde deixo de ser o referencial de suas existências como de fato sou, aos meus olhos, enquanto estão comigo.

Agora, quase como um apóstolo Pedro crucificado, deito, durmo e sonho de ponta cabeça com multidões que interagem comigo mas também entre si. Suas personas sonhadas por mim falam-se coisas que não ouço e depois vêm me comunicar suas decisões, seus acordos aos quais eu estava alheio. Me abismo.
Meu abismo?

Esse ventilador de teto um dia vai me decaptar, ou cair cravando uma de suas pás em meu peito.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

AVISO!

Prezados leitores, está acontecendo algum erro com o blogger, mais especificamente relacionado ao link de comentários da postagem Apocalipses. Eu apenas recebi mensagem de erro bX-cdague, mas uma amiga me avisou que várias "janelinhas" começaram a pipocar na tela dela e ela ficou assustada, e com razão.

Caso percebam algo estranho ao visitarem o DEPOIS DO VERBO, não entrem em pânico (não se trata de vírus) e me avisem através de algum dos meios abaixo:

Gmail: ramosmarcos@gmail.com
Hotmail: ramosmarcos@hotmail.com
Orkut: http://www.orkut.com.br/Main#Profile?rl=ls&uid=7822808101480001334

Já comuniquei à administração e assim que tudo estiver normalizado, aviso por aqui.
Obrigado a todos!

domingo, 13 de setembro de 2009

Apocalipses



Orestes foi carregado no ventre de sua mãe por exatos 9 meses, a precisão do parto era algum tipo de prenúncio para sua vida, uma vida certinha e nojenta.

Orestes foi filho único, um bom filho, primeiro neto e primeiro sobrinho. Largou as fraldas cedo e aprendeu a andar e a falar cedo, e sua primeira palavra foi "lua". No jardim de infância, passou incólume, a única criança que jamais foi colocada de castigo no cantinho. Na verdade, Orestes foi o único de sua turminha que contou em casa que a tia da escola fechava a boca dos coleguinhas castigados com fita crepe, o que ocasionou a demissão de Vera, a tal tia. Em casa o dia inteiro, Vera agora só tinha o seu próprio filho para castigar, mas essa é uma história que terminou muito triste e não vou contá-la aqui.

Voltando a Orestes, nós já o encontramos chegando à classe de alfabetização devidamente alfabetizado por seu pai. Aquele teria sido, portanto, um ano muito chato na escola, não fossem os horários de recreio e a descoberta das diferenças entre os sexos no banheiro, afinal, eu-te-mostro-o-meu-e-você-me-mostra-a-sua sempre foi uma troca muito justa.

O primeiro grau nós vamos pular, pois foi um calvário. O segundo grau foi menos pior, mas vai ser pulado também. A grande questão é que Orestes se manteve apagado até os 22 anos, quando teve seu primeiro amor, perdeu seu primeiro amor, caiu em sua primeira depressão, entrou para um grupo de poetas que nunca o chamavam para suas reuniões, saiu desse grupo de poetas, fundou seu próprio grupo de poetas, encerrou seu próprio grupo de poetas porque ninguém quis fazer parte do grupo, caiu em suas segunda, terceira e quarta depressões e então já encontramos Orestes com 33.

Ele nunca chegou a se casar, nunca noivou, nunca sequer namorou firme. Achava que sua vida estava plena desde que tivesse cerveja gelada (ou mesmo morna) e acesso a putas caras em casas de massagem que consumiam seu salário e aquilo que deveria um dia se transformar em suas economias e uma casa própria. De repente, pensando em um futuro melhor, resolveu ir conhecer a Vila Mimosa, onde o sexo custava R$30,00. No caminho, encontrou um senhor que o pegou pelo braço e disse "o mundo vai acabar", a que Orestes respondeu "quando?", e o velho respondeu "em breve", e Orestes perguntou "o quão breve?", e o velho repondeu "muito em breve", e Orestes perguntou "muito em breve pode ser hoje?", e o velho respondeu "não sei, talvez".

Após rodar quatro vezes pelos becos da Vila Mimosa, Orestes avistou uma linda menina branquinha de cabelos pretos e molhados, mas quando se encaminhou a ela um paraíba surgiu do nada como algo que brotasse do chão e a pegou pra passar um papo. Ao seu lado, Orestes viu uma imensa negra em lingerie vermelha que exalava o perfume de sabonete de um banho recente e fresco, e a escolheu. O quarto era como um curral de azulejos brancos e um colchão de couro sintético muito rasgado. "Não tire suas meias", disse a imensa mulher. "Por que?", perguntou Orestes. "Apenas não tire as meias", ela respondeu. Paola era seu nome.

Havia todo um caos formado por muitos cheiros e sons e poucas cores vindas de pouca iluminação, assim eram as vielas da Vila Mimosa e isso invadia o curral onde estavam, mas de repente, silêncio. Orestes lá, aguardando, em pé, de meias, nada estranhou. Paola ainda buscava a camisinha em sua nécessaire quando levantou a cabeça com urgência.

- Ouviu um barulho? - disse Paola.
- Ouviu um barulho? - disse Paola.
- Ouviu um barulho? - disse Paola.

Foi assim que o mundo acabou, mas não para Orestes. Ao menos foi isso que eu entendi.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ramos



Sinto-me honrado de ter o mesmo sobrenome...
Um dia meu coração padeceu da mesma angústia que o de Graciliano.
Nunca fui capaz de traduzir e informar o que sentia como o fez Graciliano.
Jamais serei.

Deixo aqui uma de suas cartas de amor a Heloísa. Aproveito para recomendar que visitem o blog que me inspirou a chegar neste post: O N Z E P A L A V R A S.

Então lá vai: a carta de Graciliano Ramos em resposta a Heloísa, que lhe havia escrito antes uma missiva de meras duas linhas e meia, meras onze palavras...

"Heloísa:
Chegaram-me as duas linhas e meia que me escreveste. Pareceram-me feitas por uma senhora muito séria, muito séria! muito antiga, muito devota, destas que deitam água benta na tinta.
Tanta gravidade, tanta medida, só vejo em documentos oficiais. Até sinto o desejo de começar esta carta assim: "Exma. Sra.: tenho a honra de comunicar a V. Exa., etc."
Onze palavras! Imaginas o que um indivíduo experimenta ao receber onze palavras frias da criatura que lhe tira o sono? Não imaginas. E sabes o que vem a ser isto de passar horas da noite acordado, sonhando coisas absurdas? Não sabes. Pois te conto.
Sento-me à banca, levado por um velho hábito, olho com rancor uma folha de papel, que teima em conservar-se branca, penso que o Natal é uma festa deliciosa. Os bazares, a delegacia de polícia, a procissão de Nossa Senhora do Amparo... E depois o jogo dos disparates, excelente jogo. " Iaiá caiu no poço". Ora que poço! Quem caiu no poço fui eu.
Principio uma carta que devia ter escrito há três meses, não posso concluí-la. Fumo cigarros sem conta, olhando um livro aberto, que não leio. Dança-me na cabeça uma chusma de idéias desencontradas. Entre elas, tenaz, surge a lembrança de uma criaturinha a quem eu disse aqui em casa, depois da prisão do vigário, nem sei que tolices.
Apaga-se a luz, deito-me. Que vieste fazer em Palmeira? Por que não te deixaste ficar onde estavas?
Não consigo dormir. O nordeste, lá fora, varre os telhados. Na escuridão vejo distintamente essa mancha que tens no olho direito e penso em certa conversa de cinco minutos, à janela do reverendo. Por que me falaste daquela forma? Desejei que o teto caísse e nos matasse a todos.
Andei criando fantasmas. Vi dentro de mim outra muito diferente da que encontrei naquele dia.
Por que me quiseste? Deram-te conselhos? Por que apareceste mudada em vinte e quatro horas? Eu te procurei porque endoideci por tua causa quando te vi pela primeira vez.
É necessário que isto acabe logo. Tenho raiva de ti, meu amor.
Fui visitar o padre Macedo. Falou-me de ti, mas o que disse foi vago, confuso, diante de dez pessoas. É triste que, para ter notícias tuas, minha filha, eu as ouça em público. Foram minhas irmãs que me disseram o dia do teu aniversário e me deram teu endereço.
Tinhas razão quando afirmaste que entre nós não havia nada. Muito me fazes sofrer.
É preciso que tenhas confiança em mim, que me escrevas cartas extensas, que me abras largamente as portas de tua alma.
Beijo-te as mãos, meu amor.
Recomendo-me aos teus, com especialidade a dona Lili, que vai ser minha sogra, diz ela. Acho-a boa demais para sogra.
Amo-te muito. Espero que ainda venhas a gostar de mim um pouco.
Teu Graciliano.
Palmeira, 16 de janeiro de 1928."

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Oi



Continuando minhas crônicas sobre a última mudança, conto agora como foi pra informar à Oi sobre a mudança de endereço para envio das contas. Apesar dos pesares, a atendente era simpática e tinha um sotaque nordestino calmo como quem aguarda um chá gelado deitado numa rede na varanda...

- Alô? Boa tarde, meu nome é Marcos e eu gostaria de informar que meu endereço para correspondência mudou.
- Pois não, senhor. O senhor poderia estar me confirmando seu CPF por gentileza?
- Tá, é blá blá blá blá blá.
- Ok, senhor. Qual o endereço, senhor?

(Aí entra um detalhe que preciso informar antes de seguir... Embora eu tivesse certeza de que o bairro aqui é Catete, a conta da Light - é, AQUELA Light mesmo - já tinha chegado e indicava o bairro como sendo Glória. Tirei a dúvida com umas vizinhas que me informaram que, de fato, quando se digitava o CEP daqui em algum sistema qualquer, aparecia automaticamente que o bairro era Glória. Sabendo disso, quis adiantar meu lado dessa vez. Rapaz tolo e ingênuo que fui...)

- Meu endereço novo é Rua do Catete, nº blá, casa blá, apartamento blá, bairro da Glória, Rio de Janeiro.
- Só um instante, por favor... Só mais um instante... Senhor, aqui consta que o bairro é Catete. Indica Glória apenas como primeira rua do CEP, e bairro do CA-TE-TE.
- Ah, tá bom, então pode deixar aí como Bairro do Catete.
- Mas o senhor informou bairro da Glória.
- É, é que o CEP desse local costuma dar Glória em muitos sistemas. Como para a Light consta Glória, imaginei que pra vocês seria igual. Mas pode botar Catete aí como bairro que funciona.
- Mas veja bem, senhor... a partir do momento em que o senhor me informou que o bairro é Glória mas o sistema indica o CEP como Catete, eu fico aqui com informações conflitantes. Preciso colocar o bairro certo para evitar extravio da conta.
- Eu entendo, mas eu estou falando aqui pra você colocar Catete. Esquece que eu disse Glória, até os moradores daqui da região se confunfem, é tudo muito misturado, Catete, Glória... O carteiro vai chegar no lugar certo.
- Mas senhor, preciso da confirmação de um segundo número para fazer a ateração aqui no sistema. O senhor poderia estar me informando um outro número residencial de onde o senhor mora?
- Mas eu só tenho essa linha aqui em casa, e acabei de me mudar, não conheço ninguém da vizinhança, não posso ir bater de porta em porta procurando quem me dê o telefone para confirmar isso...
- Entendo, senhor. Então o senhor poderia estar conferindo o número de algum telefone público na sua rua ou próximo para que eu possa estar verificando o bairro?
- Me desculpa, mas você tá pedindo que eu desça até a rua, procure um orelhão e anote o número dele pra voltar aqui e te passar esse núm... Olha, não dá, assim é demais. Por favor, me desculpe, me DESCUUUUULPE por eu ter dito que o bairro era Glória!!! Sabe, eu me confundi, eu tava DOIDO, eu não sei onde eu estava com a cabeça, o bairro é CATETE mesmo!!! Por favor, essa ligação está sendo gravada, né? EU assumo o risco de qualquer extravio de conta que possa ocorrer, mas eu confirmo: o BAIRRO, AQUI, É, CATETE! Por favor.
- Bem, senhor, eu posso estar efetuando a mudança aqui de Glória para Catete então, mas confirmando que foi por instrução do senhor.
- OK, por favor... Eu garanto, pode mudar aí.
- Só um segundo, senhor...
(razoavelmente mais do que um segundo depois)
- Senhor (me retornou ela, com um leve tom de riso na voz... juro), infelizmente o sistema saiu do ar por um instante e apagou os dados... Vamos precisar estar repetindo do começo... Qual o seu endereço novo, mais uma vez?

História real, mesmo. Apesar do desenrolar enrolado, a mulher era tão simpática que, quando me informou da queda do sistema e que teríamos que repetir do começo, eu tive que rir (mas só um pouco, só pra demonstrar simpatia para com ela e a situação). Dessa nova vez foi tudo mais simples. Eu informei que o bairro era Catete e tudo estava concluído em menos de um minuto e meio. Se eu tivesse feito isso, apenas isso, na primeira vez, a conversa não teria durado o que durou nem se tornado o que se tornou, mas daí eu também não teria o que contar aqui, não é verdade?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Light


Prólogo: Para solicitar a transferência de responsabilidade e a religação da luz, por telefone o atendente me instruiu a comparecer em uma das (vou chamar de "lojas") lojas da Light levando minha identidade e meu CPF, bem como cópias destes. Fui na do Metrô do Largo da Carioca, me parecia mais prático. Foi tudo rápido e simples, não precisou das cópias dos documentos pra nada. Saí de lá com um papel comprovando o atendimento, os números de protocolo e a informação de que dentro de 48hs uma equipe da empresa iria lá em casa religar o fornecimento de energia.

É aqui que começa a história...

Como contei no post anterior (Síndica), recebi o imóvel sem luz e sem interfone. Eu não sabia de nada do funcionamento da vila, mas sabia que a caixa onde a equipe da Light deveria mexer estava aqui dentro, pois o local é velho demais (nas contruções menos antigas, esses contadores passaram a ser instalados em área externa, justamente para que a Light possa cortar ou religar a energia sem depender a presença do consumidor). Eu ainda estava morando no antigo apê, então o jeito foi acordar às 7:30hs e partir pra vila para ficar de plantão na escadaria, olhando para o portão principal. Levei livro, levei MP3, mas nada vencia o tédio e a bunda doendo no degrau torto de cimento. Alguns vizinhos passavam e cumprimentavam, outros sequer respondiam ao meu cumprimento. Tudo bem, até aí normal. Vez ou outra eu saía para o boteco ao lado, pedia um pão com ovo, dois pães com manteiga, café com leite, coca-cola, coisas desse tipo iam virando meu café da manhã, almoço e jantar pois, não sei se vocês se lembram, a equipe poderia chegar a qualquer momento entre 8hs e 20hs.

Primeiro dia: nada.

Segundo dia: o relógio já marcava 15hs e nada de Light. Liguei pra lá.

- Alô, boa tarde... Meu nome é Marcos e eu solicitei que religassem a luz da casa pra onde me mudei, mas até agora ninguém veio.
- O senhor poderia estar me informando quando foi feita a solicitação?
- Terça-feira passada.
- A que horas, senhor?
- A que horas? Sei lá, de tarde.
- O senhor pode estar me passando o número do protocolo do serviço?
- Tenho dois aqui, um de religação e outro de transferência de responsabilidade, não diz qual é qual. São número blá e número blá blá blá.
- Só um momento senhor... (um momento)... Senhor, aqui consta a religação no endereço tal, solicitada em nome da Srª Gilda. Confere?
- Gilda?! Não, Gilda era a antiga moradora, eu pedi a transferência de responsabilidade para o meu nome!
- Entendo, senhor. O que acontece: o fato da solicitação estar em nome da Srª Gilda não impede a religação, mas consta no sistema que o pedido foi feito às 17:12hs do dia quatro, então ainda estamos dentro do prazo para a religação, senhor, que é de 48hs a partir da solicitação.
- Então só se depois das cinco da tarde ninguém tiver vindo é que posso ligar pra cobrar?
- Exatamente senhor.

O relógio marcou 17:13hs e liguei novamente.

- Olha, aconteceu isso e isso e isso... já se passaram as 48hs e ninguém veio aqui.
- Só um minuto que estarei verificando o andamento da solicitação, senhor.
(1 minuto)
- Senhor, consta aqui no sistema uma notificação de que a equipe esteve no local no dia seis deste mês mas não encontrou a síndica para pegar a chave que abre o CP.
- Mas peraí, isso é impossível! Dia seis é hoje! EU estou aqui de plantão esse tempo todo e não vi ninguém! Aliás, eu também já tinha me informado com a síndica de que não era necessária chave nenhuma, o marcador fica dentro da minha casa, é lá que eles vão mexer.
- Bom, senhor, é o que consta aqui.
- Mas isso é falso! NINGUÉM esteve aqui! E agora, o que acontece?
- Bom, senhor, com esta notificação, é reaberta a contagem de 48hs para que a equipe esteja realizando o serviço. O prazo passa a ser dia oito.
- Isso é um absurdo, eu afirmo que não esteve equipe nenhuma aqui! Já que essa ligação está sendo gravada, quero deixar registrado que eu vou ligar para a ouvidoria da Light agora mesmo para fazer uma queixa!

Desliguei e lá fui eu ligar pra ouvidoria da Light. Digita número praqui, digita número prali, quando eu acho que cheguei em algum lugar, entra uma gravação dizendo que posso acompanhar o processo através da internet (não, LIGHT! Eu NÃO POSSO acompanhar pela internet porque minha casa está SEM LUZ!), e a ligação desliga-se sozinha ao fim da mensagem. Ok, liguei de novo, digitei tudo de novo, mas desta vez segui outro caminho que me redirecionava "para um de nossos atendentes". Chamou. Chamou. Chamou, chamou, chamou, ninguém atendeu, caiu a ligação. Tentei de novo. Não consegui de novo. Tentei. Não consegui. Tentei. Não consegui...

Como eu já estava muito puto e não conseguia reclamar da Light na ouvidoria da Light, fui ligar para a ANEEL, que é a agência reguladora própria para vigiar as companhias fornecedoras de energia.

- Alô, boa tarde... meu nome é Marcos e estou ligando para me queixar sobre a Light.
- Qual seria a queixa, senhor?
(expliquei a situção sobre a falsa notificação de comparecimento e sobre a ouvidoria que sequer atende as chamadas)
- Entendo, senhor. Qual o prazo que lhe foi dado para a realização do serviço?
- 48hs.
- Que já expirou?
- O prazo original já, mas agora eles reabriram a contagem por mais 48hs sob a alegação de terem comparecido aqui, o que não ocorreu.
- Então não posso estar recebendo sua queixa, senhor, pois o serviço ainda está dentro do prazo informado.
- Mas a queixa é justamente essa! Eles só reabriram a contagem porque informaram lá que estiveram aqui e não encontraram ninguém, mas isso é mentira, ninguém veio aqui!
- Entendo, senhor, mas uma vez que reabriram a contagem deste prazo, o senhor só poderá estar registrando uma queixa caso eles não cumpram esse novo prazo.
- Meu Deus, isso é muito absurdo... Mas e quanto ao fato de a ouvidoria da Light não me atender? Posso reclamar disso? Afinal, é dever da ouvidoria atender os consumidores que vão reclamar da Light.
- Infelizmente, senhor, este procedimento só poderá estar sendo realizado se houver de fato a perda do prazo para a prestação do serviço.
- Mas a queixa agora é outra! Antes eu estava reclamando da notificação falsa dos funcionários da Light, agora eu estou falando do fato de que a ouvidoria da Light não funciona! Não é justamente com vocês que devemos contar para "estar vigiando" esse tipo de desrespeito ao consumidor?
- Se o senhor for o titular da conta, podemos estar registrando essa queixa agora mesmo, senhor.
- ... Bom, acontece que na última vez em que liguei pra Light, me informaram que meu pedido de transferência de responsabilidade não tinha sido realizado também.
- Sinto muito, senhor, mas não posso estar fazendo nada a respeito se o senhor não for o titular da solicitação do serviço, apenas o titular pode dar queixa.
- Então tá... esquece... eu desisto, deixa pra lá. Vou continuar aqui esperando.
- Algo mais em que eu possa estar ajudando o senhor?
- ...

É piada, né? Olha, eu vou falar uma coisa pra vocês... Há um tempo que eu não me sentia assim tão desamparado como ao fim daquela ligação. Você tem apenas UMA companhia que fornece eletricidade ao estado do Rio de Janeiro, e os elementos desta companhia te fazem perder tempo e cagam pra você. Daí você tem a ouvidoria da tal companhia, cuja função é ouvir você para garantir o bom funcionamento da própria, mas eles fingem que não existem (ou fingem que VOCÊ não existe) e cagam pra você. Já beirando a revolta, você finalmente recorre ao topo, à última instância, à agência regulamentadora que deve vigiar o funcionamento da já citada companhia, e eles se fazem de malucos, surdos, sei lá, em resumo, eles cagam pra você também. Não havia mais nada que eu pudesse fazer, apenas me sentar novamente na escada, esperar dar 20hs para poder ir pro apê e no dia seguinte voltar às 8hs da manhã...

Por fim, no dia seguinte veio o cara do interfone consertar o dito cujo, mais ou menos às 10hs da manhã. Com interfone funcionando, eu poderia aguardar dentro da casa, que era menos ruim do que na escada ao ar livre e sem ter onde encostar. A piada mesmo fica no fato de que a equipe da Light chegou 40 minutos após o conserto do interfone.

Epílogo: Com luz no imóvel, pude providenciar a mudança pesada, especificamente por causa da geladeira. Foram cerca de dois dias e três horas de uma verdadeira provação rumo à iluminação. Agora etávamos eu, geladeira, armário, mesa de jantar, estante, cama, fogão e gatos, finalmente todos lá. Infelizmente estava também, ali, junto de nós, marcando sua presença de forma incômoda e pungente, a impressão de que no Brasil não há prestadora de serviços que preste, de que não temos a quem recorrer em busca de socorro, de que estamos irremediavelmente indefesos à mercê delas. Como concluiu meu amigo blogueiro marioelva, numa "democracia" você até pode, sim, demandar os seus direitos, só que ninguém vai te ouvir.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Síndica



Olá, voltei do ostracismo. Acabo de passar por um processo de mudança que me custou muito mais tempo e dinheiro do que qualquer um gostaria. Por outro lado, me rendeu algumas histórias que pretendo contar aqui numa série de crônicas. Que tal?

Começarei com meu primeiro contato com a síndica desta vila. Muito simpática. Me referi à vila.

Antes de começar a mudança mudaaaaaança mesmo, comecei a resolver as questões necessárias para a sobrevivência, como a religação da eletricidade no imóvel. Acontece que o interfone da casa estava quebrado, e como os funcionários da Light poderiam chegar a qualquer momento entre 8hs e 20hs dentro de um período de dois dias, ficava eu sentado lá na escadaria principal da vila, olhando para o portão. Até saía para comer algo no boteco do lado, mas sempre olhando para o portão. Foi bom do ponto de vista de que acabei conhecendo metade dos moradores do local. Foi ruim do ponto de vista de que talvez eu passe a ser conhecido como o maníaco da escada.

Na dúvida de onde exatamente os funcionários da Light deveriam mexer pra religar a luz, fui perguntar ao zelador que reformava a entrada principal quem era a síndica e onde eu a encontraria. Neste exato momento entra uma senhora para quem o zelador prontamente aponta e diz "olha ela aí, Dona Fulana o nome dela." E daí a conversa seguiu assim:

- Olá, a senhora é a síndica? Dona Fulana?
- O que foi?!

Esse "o que foi?" foi dito num tom que misturava tédio absoluto, desdém parcial e um sublime ódio sem alvo específico.

- Meu nome é Marcos e sou novo morador da casa tal, bloco tal... É o seguinte: estou aqui esperando a Light pra religar a luz e queria saber se preciso de alguma chave pra abrir essa caixa de força aqui.
- Pra que que você quer a chave daqui?! Não tem nada que abrir caixa de força nenhuma! Essa caixa aqui é do controle das luzes da vila, do pátio, das escadas! Na casa tem medidor dentro, é lá que mexe! E você tem que mandar consertar seu interfone, tá com defeito e dando retorno aqui no interfone da entrada!
- Sei disso, o conserto já foi solicitado. Por acaso o interfone lá vai funcionar mesmo sem eu ter luz em casa?
- Acho que não, você tem que mandar a Light religar logo a sua luz.
- Mas então, é isso que estou esperando aqui na escada o dia inteiro, que a Light venha religar minha luz para que quando o cara do conserto chegue possa testar seja lá o que for.
- Mas você tem que mandar ele consertar logo porque não é pra você ficar sentado aqui na escada esperando a Light, tem que aguardar a Light em casa.
- Sei... então deixa eu ver se entendi, a senhora tá me dizendo que tenho que consertar o interfone logo para que eu possa esperar em casa que a Light venha religar minha luz para que então eu possa consertar meu interfone.
- É.

Dei a conversa por encerrada com um sorriso amarelo condescendente e uma lenta piscada de olhos e um "ok, então, muito obrigado".

Era apenas a primeira de muitas bizarrices que eu teria que ouvir nas semanas que se seguiram... Na próxima postagem: Light.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Beethoven - Moonlight Sonata (first movement) solo piano



Eu, minha quarta garrafa de Bohemia Escura e a primeira hora da madrugada não podemos negar: alguns momentos de nossas vidas são ainda mais tristes do que os outros. Na verdade, eu estava numa boa, até que me deparei com este piano enquanto pensava "o que procurar na internete quando não sei mais pelo que procurar?". Dizem que quem procura, acha.

Maldita internete. Maldito Beethoven... Quem lhe deu o direito de compor isso?

Façam como eu e olhem pras barrinhas coloridas durante a música, ajuda a não mergulhar tão fundo.

Rá rá rá, ingênuos... Não adianta nada não.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

.apenas



Caindo totalmente na minha prória contradição, confesso que preciso escrever aqui meus achismos sobre o tão falado filme de estréia de Matheus Souza, cujo título se escreve ".apenas o fim.", com um ponto no começo e outro no... fim.

Não foi a simples presença de Erika Mader que me levou à sessão das 18:45 do Odeon naquela terça-feira, dia 21 de julho. Eu realmente estava curioso sobre o filme, primeiro porque o estilo me agrada (ao mesmo tempo que me atemoriza), segundo porque eu já estava com três pedras na mão desde que comecei a ler as primeiras críticas, bem como as primeiras entrevistas do já citado Matheus Souza.

A verdade é que, apesar dos pesares (expressão que me desculpa de qualquer contradição óbvia e ainda me produz as possibilidades de arrependimento sobre o que vou escrever aqui), eu gostei do filme sim. É bom saber que parece haver espaço para filmes nacionais que mostram alguma coisa dentro da qual não precisa acontecer "algo chocante". O que quero dizer é que o mote inicial e central é mesmo o principal e segue intocado até o final, não há mistério a ser revelado, não há reviravolta, o que é dito no começo (aparentemente) se mantém, e ponto. Ponto no começo e ponto no final.

(Pare de ler agora se não quiser saber o que acontece no filme.)

O filme começa com a namorada chegando pro namorado (estudante de cinema na PUC, dentro da PUC) e dizendo taxativamente que em uma hora ela irá embora, de vez, pra sempre, rumo a um lugar jamais revelado, e concede ao menos a escolha de
a) passar a próxima hora fazendo muito sexo; ou
b) passar a próxima hora conversando e andando pela PUC.

O cara escolhe a segunda opção, o que me parece óbvio se o rapaz realmente não quer que a namorada saia da vida dele de vez e desapareça. E daí segue-se algo que me lembrou muito "Antes do Amanhecer" (roteirizado por Richard Linklater e Kim Kriza), pois há muita conversa, muita cumplicidade, a certeza de que ao fim vai haver uma separação que já foi preconizada e que a tristeza deste fato deve ser ofuscada sob o propositalmente (e quem não faria assim?) forçadíssimo e nervosíssimo senso de humor realizado através das piadinhas sóbrias, espirituosas e inteligentes, além das leves e constantes ofensas mútuas.

A verdade é que o filme me gerou uma imensa tristeza desde o primeiro minuto. Claro que ri com uma ou outra das piadas, isso se deu algumas vezes sim, e concordo plenamente que o Bulbassauro é o melhor Pokemon (isso é indiscutível), mas convenhamos, só um filme com muita projeção por parte de quem o escreveu colocaria um nerd com calvície e sem culhões como o ser amado por uma gata do calibre da Erika Mader. Dá licença, mas embora muito do que aconteça no filme seja identificável e o fim seja o que aconteceria mesmo (ponto para o roteiro!), não dá pra acreditar que aquele casal se fez. No entanto, dá pra acreditar na sua dissolução. O filme se chama ".apenas o fim.", se justifica por isso e merece, portanto, meu reconhecimento como honesto. É o filme de um estudante de cinema da PUC contando um momento "fatal" na vida de um estudante de cinema da PUC que não é ele mas é.

O foda é eu ter que admitir que sentir que muitos momentos do filme são previsíveis me coloca pelo menos como alguém irmanado com o autor da história, especialmente pelo fato de que eu disse à minha companhia "não levanta agora não, esse filme COM CERTEZA tem cena depois dos créditos". E tinha. E achei válida! Metalinguagem da hermenêutica que seja, me agradou sim ver a cena após os créditos...

Minha confissão é a de que senti um peso, uma tristeza danada durante o filme inteiro, do começo ao fim, então acho que gostei, por mais que tenha achado as falas muito forçadas, afinal são as sacadas da mente de uma única pessoa distribuídas nas vozes de dois personagens distintos (o mesmo erro que acomete quem escreve as novelas das sete). Minha acompanhante achou o filme uma comédia muito divertida. Acho que isso vai ser uma constante, esse fato de que mulheres e homens terão necessariamente opiniões opostas sobre o filme.

Parabéns ao Matheus Souza, que foi capaz de me fazer gastar uma hora e quarenta e cinco minutos escrevendo esse post sobre seu filme. Parabéns ao Gregorio Duvivier que não me desapontou na série "O Sistema", fazendo ponta em "A Mulher Invisível" e agora em ".apenas o fim.". E parabéns, mil parabéns aos pais da Erika Mader, que com certeza estavam muito inspirados na noite de sua concepção. Ela esteve perfeita no papel de "mulher-que-está-numa-boa-mas-do-nada-resolve-que-precisa-ir-embora-porque-não-está-satisfeita-com-as-coisas-como-estão-mesmo-que-esteja-tudo-legal-e-achando-que-não-vai-ficar-satisfeita-com-as-coisas-como-ficarão-e-fode-a-porra-toda-mesmo-assim-já-que-afinal-isso-não-faz-sentido-mas-foi-o-que-deu-na-telha-dela". Até me pergunto se ela de fato estava atuando ou apenas reproduzindo o usual.

Moral da história: quando você tiver a possibilidade de fazer um filme, não resista à tentação de desenvolvê-lo numa narrativa semi-autobiográfica cheia de meta-referências. Jogue nele todos seus desejos, depois jogue sobre isso todas as suas frustrações, então chame a Erika Mader e filme tudo. Como justificar tudo isso, aí não sei. Suspension of disbelief, talvez.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Ente



Ente Ente Ente Ente Ente Ente Ente Ente Ente Ente...

É, é bem por aí mesmo.

sábado, 11 de julho de 2009

Elliott Smith - "Everything means nothing to me (Live)"


Essa música é muito foda, eu a tenho ouvido sem parar e queria coloca-la aqui.

Parafraseando meus DVDs do Ed Sullivan's, Elliott Smith é um dos meus eternos chart toppers pessoais. Não tinha como ser de outra forma.

Segue a letra abaixo para quem quiser acompanhar.

Someone found the future as a statue in a fountain
At attention, looking backward in a pool of water

Wishes with a blue songbird on his shoulder

Who keeps singing over everything

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me


I picked up the song and found my picture in the paper

The reflection in the water showed an iron man still trying to salute

People from a time when he was everything he's supposed to be

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

Everything means nothing to me

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Morreu



Como diria o caríssimo senhor mario elva, 2009 segue ferozmente ceifando o mundo da música. Dessa vez, foi-se (sem trocadilhos com o instrumento da Dona Morte) o tal do Michael Jackson, que aparece como um garoto espantosamente talentoso em meus DVDs do programa do Ed Sullivan, mas que recentemente (ou melhor, nas últimas décadas) só se destacava por sua bizarrice aguda. Aparentemente, foi uma parada cárdio-respiratória.

Hoje de manhã eu já tinha recebido a notícia da morte da Farrah Fawcett, vítima do câncer contra o qual lutava há 3 anos. Farrah ficou famosa fazendo uma das anjos do seriado Charlie's Angels, então fico mais tranquilo sabendo que ela já estava encaminhada para o paraíso desde 1976. Engraçado que, pouco antes de chegar ao trabalho hoje cedo, vendo uma mulher com cabelos escovados mas volumosos andando pelo Centro da cidade, me veio imediatamente a imagem da dona Fawcett. Não posso dizer que tenha pensado no Michael Jackson em qualquer hora do dia anterior ao Jornal Nacional, mas morte nunca é uma coisa bacana, então também lamento. Me resumirei a fazer piadinhas de humor duvidoso quando me der na telha, só isso.

Então, 2009, não tenho como impedi-lo de seguir devastando o cenário musical. Eu, mais uma vez parafraseando o BLOG-IS-DEAD, permaneço esperando que chegue a hora do babaca do Pete Doherty, mas agora penso que essa espera pode ser em vão. 2009 anda matando a galera da música, e se tem uma coisa que o tal Doherty nunca fez foi música. Vou torcer então, pelo menos, para que o Michael Jackson venha puxar o pé dele à noite.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Enfim



Tudo começou quando eu disse que nem crise econômica mundial nem surto de gripe suína colocariam esse mundo nos eixos. Só mesmo se descesse um imenso disco voador no centro de Nova Iorque e de dentro dele saísse a Virgem Maria, gigante, montada em um gigante tigre siberiano, anunciando que tudo sempre foi uma grande mentira, nada menos. Só isso mesmo para fazer com que o planeta e os estúpidos humanos que o habitam parassem de correr atrás de territórios, dinheiro e poder para prestar atenção no que alguém tinha a dizer.

Isso aconteceu no dia 26 de agosto de 2018, precisamente às 10:16 da manhã (horário de Brasília), quando todas as esperanças já pareciam perdidas. Demorou pouco para que Maria saísse da nave após seu pouso suave no Central Park, tanto que pouquíssimas câmeras estavam no local no momento de sua revelação, embora suficientes para que a cena histórica fosse transmitida para todos os continentes quase em tempo real. E lá estava ela, imensa, potente, com a mesma imagem que estávamos acostumados a ver e reconhecer com sendo Nossa Senhora, sorrindo como quem ganha uma fortuna por mês sem ter que trabalhar. O tigre em que montava era impecavelmente branco, com olhos de laser azul, não fazia qualquer gesto brusco.

Maria disse, em um português claríssimo para carioca nenhum botar defeito, que era chegada a hora do fim do que estava errado e do começo de como deveria ter sido desde sempre. Ela olhou ao redor, numa virada de cabeça que demorou 57 segundos de um extremo ao outro, e disse serenamente:

- Meus filhos... Vocês fizeram a porra toda errada nessa merda. Eu tive que vir antes que vocês mandassem tudo pro caralho. Esqueçam igreja católica, protestantismo, budismo, espiritismo, islamismo... Religião é o cacete. Neguinho inventou um monte de idéia doida lá atrás, a parada foi reescrita mil vezes, a história original que a gente inventou nem era essa...

Ela prosseguiu falando que, na verdade, eles eram um grupo de alienígenas que chegou aqui na Terra na época em que só havia lagartos gigantes. Não gostaram do que viram e mataram tudo, colocando no lugar uns bichinhos mais agradáveis e peludos que nós classificaríamos milênios depois como os primeiros mamíferos. Eles queriam aproveitar o planeta como um tipo de manicômio ou asilo, onde os indivíduos de sua sociedade (avançadíssima) que nascessem com retardo mental e/ou deficiências físicas seriam deixados à própria sorte, poupando as pessoas saudáveis de seu planeta natal da convivência com tais seres. Com o passar do tempo, contudo, os indivíduos desfavorecidos deixados na Terra mostraram-se capazes de gerar uma prole mais saudável, e tal constatação fez com que os governantes de Javé (esse era o nome do planeta natal de Maria) resolvessem que era uma boa colonizar o planeta com indivíduos mais empreendedores, que contudo foram privados da maioria dos avanços tecnológicos de sua raça, só pra que a parada ficasse mais interessante para quem estava assistindo.

Em resumo, ela falou, falou, falou, contou a história que queríamos tanto ouvir e deu certo. O mundo parou. Todos pararam. As bolsas de valores, as empresas, as escolas, os governantes, os governados, todos pararam de correr atrás de algo. Enquanto alguns assistiam a tudo bebendo cerveja quente, outros cometiam suicídio ao perceber que estiveram errados a vida inteira. Outros também se deram conta de que não havia nada depois daqui, mas ao invés de sairem cometendo suicídios, saques e estupros, apenas respiraram bem fundo, sorriram e coçaram a nuca.

Ao terminar sua interessantíssima história, Maria parou, olhou tudo e todos que então se aglomeravam ao seu redor, e disse:

- Vocês devem estar querendo saber sobre Jesus. Bom, fui eu quem trouxe ele aqui sim, e eu era mesmo virgem naquela época. Não, ele não morreu na cruz, não ascendeu aos céus, nada disso. Ele simplesmente sobreviveu, seguiu pra Índia, rodou o mundo todo e cansou, parando finalmente no Brasil, onde achou tudo o que queria na vida. Assim como todos nós habitantes originais de Javé, Jesus tem uma expectativa de vida consideravelmente superior a dos humanos, e encontra-se vivo e muito bem até hoje. Atualmente, ele atende pelo nome de Jô Soares e apresenta um programa de entrevistas transmitido por rádio e TV, entre outras atividades. Se nunca ouviram falar, joguem no Google.

"Isso quase explica muita coisa", pensei.

Já havia silêncio há um tempo quando, às 18hs daquele mesmo dia, o tigre rugiu, Maria sorriu e virou-se, retornando ao interior do imenso disco voador. A plataforma recolheu-se, a porta fechou-se, o disco decolou e nada mais foi dito ou ouvido por cerca de um minuto. Os números nunca mais seriam os mesmos, os índices, as previsões, as especulações, as modas, as paradas de sucesso, os regimes políticos, tudo teve que ser repensado. Recolhidas em seu quartos, celas e escritórios, algumas pessoas choravam, oravam, gargalhavam ou cortavam-se com lâminas de barbear, mas independente do que estivessem fazendo, estavam todas sozinhas (e ao mesmo tempo já nem tanto). Os mortos permaneceram mortos, outros mais morreram aos borbotões nos dias seguintes, e os sobreviventes começaram a fazer o que seus tataravós já deviam ter feito.

Para vocês que leram essa história, ela termina aqui. Sobre o que aconteceu com Jô Soares depois da grande revelação, ninguém saberá. Mas não se preocupem, tudo vai dar certo.
Um dia.

domingo, 10 de maio de 2009

Melhor



"O pior de tudo", pensei, "o pior de tudo é acordar e saber perfeitamente quem eu sou, sempre. Melhor seria acordar numa banheira de gelo sem os rins".
Melhor seria poder passar o dia inteiro sem sequer me olhar no espelho.
Melhor seria nem ter opção, mas o pior é que há, ora vejam só.

Passe-me o cardápio, por favor. Sim, sim, vou querer, vou querer... O prato do dia é um resfriado, não tem jeito. O acompanhamento, opcional, é um sorriso falso. Ok, obrigado.

Pensamentos assim podem nutrir o dia inteiro, o fim de semana inteiro de uma pessoa, mesmo se pensados por apenas dois minutos, desque que pensados nos primeiros dois minutos contados do despertar. Aquele tinha sido um desses, e o futuro encontrava-se taxativamente fadado a não existir mais. Adeus futuro, de agora em diante, há apenas o presente repetindo-se incessantemente, sempre sempre sempre sempre sempre.

No espelho era eu de novo, me enxergando diferente por me achar muito feliz na merda em que estava. Um alívio que só a solidão consegue trazer quando a gente se cansa de desesperar e/ou de desejar. Ah, como é bom não dever nada além de dinheiro... Não dever companhia, não dever obediência, não dever satisfação sexual, não dever passeios, não dever boas notas, não dever atenção, poder ser todo e plenamente vazio num silencioso e vazio fim de semana. Nem para comer me levantarei deste sofá! Decreto. Sem pais, sem namorada(s), sem animal de estimação, sem expediente, sem muito o que arrumar nesta quitinete e o que há para ser arrumado permanecerá desarrumado por tempo indeterminado. Passo as mãos pelo corpo para me certificar de novo de que realmente não retiraram meus rins esta madrugada (sempre tive esse medo de que a realidade se altere do nada ao meu redor e as poucas certezas que eu tenho não valham mais). Se bem que, em minha pobre e humilde opinião de quem fita o teto, poderiam ter levado meus rins, meu fígado e meu coração. Sem problemas.

Não, peraí... o fígado não. Ainda tenho planos para ele.

De resto, tudo o mesmo. "A mesma imagem e semelhança de Deus, oh sim, esse sou eu!", grito, apenas em pensamento (os pensamentos, sempre os pensamentos), pois gritar pra valer cansa e só presta para algo se houver quem presencie. A fome chega e mais uma de minhas juras vai por água abaixo, me levantarei do sofá pra comer.

Na falta de café e pão com queijo, tenho cerveja na geladeira e pizza de supermercado congelada.
Para um café da manhã às 14:39, serve.
"Não serve, Deus?", pergunto.
Deus diz que sim e se retira, mas antes recomenda que eu cheque novamente se não tive meus rins retirados na última madrugada.

sábado, 9 de maio de 2009

"I Don't Want Control Of You" - Teenage Fanclub



Uma das minhas músicas preferidas de uma das minhas bandas preferidas!

Espero que curtam. Em breve volto com um texto meu.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Parassonia



Acordo algumas vezes ao longo da noite, quase nunca abro os olhos nessas horas, geralmente porque nem quero ver as horas, mas em muito também porque não quero olhar pros lados, que estarão vazios. Sou grande, mas a cama é imensa, sempre sobram muitos lados vazios para os quais eu poderia olhar buscando em vão o que tenho certeza de que não está lá.

Dá sede, mas não levanto para beber água, pois os fantasmas no escuro da sala podem tentar me pegar. Ainda que sejam os meus fantasmas, os meus próprios fantasmas, ainda assim os temo, pois não me respeitam, como tanta coisa que é minha própria também e faz parte de mim e igualmente não me respeita, não me obedece, como meu cérebro, meu estômago e meu coração. Viro o rosto simplesmente de olhos fechados e volto a dormir com sede e sem sonhos.

Sem sonhos e sem escolha, me deixo relaxar novamente no quarto trancado e apagado, seguro e coberto pelo ruído hipnótico do ventilador, e começo a vislumbrar rosto, sorriso, voz e lugar, até cheiro e tato. Isso não é sonho. É só lembrança. É história.

Assim acontece de segunda a sexta, sempre ou quase sempre assim ou mais ou menos assim, quando por incrível que pareça é o despertador que traz o grande alívio ao tocar uma hora antes do que é preciso, apenas para gerar o prazer negativo de acordar sem levantar, olhar para o relógio e pensar "que bom, ainda tenho uma hora para dormir". Em uma hora chega o segundo e definitivo toque do despertardor, o sol avisando que aquela parte acabou, que a madrugada passou, que agora vem o resto. O eu que tentava dormir some e dá lugar ao eu que tenta ficar acordado. Acontece que, mesmo este, de repente, some também, com a cabeça pesada e cheia, com os olhos pesados e vazios.

Que bom que há ao menos aquela uma hora a mais, mesmo que eu saiba, com Deus e o diabo por testemunhas, que é tudo exatamente como seria se não houvesse.

sábado, 11 de abril de 2009

Elektroschutz



Caso você seja um alemão careca sonâmbulo que costuma sonhar que está esquiando e que apesar de casado dorme de camisa social numa cama de solteiro ladeada por criados mudos sobre os quais existem luminárias metálicas desencapadas cujo isolamento elétrico está em péssimas condições, cuidado: você é um sério candidato a morrer por eletrocução.

Este foi mais um serviço de utilidade pública do DEPOIS DO VERBO.

"DEPOIS DO VERBO: porque nem tudo tem porquê."

quarta-feira, 25 de março de 2009

SIGNS



Há muito tempo não assisto algo tão bacana. Achei esse pequeno vídeo melhor do que muitas das "comédias românticas" que temos visto por aí.

Recomendo. Assistam. São pouco mais de dez minutos, vamos lá... Tenham um pouco de boa vontade, sim?

Espero que gostem.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Bzzzzz



Do meio daquelas lembranças incertas, peguei um pouco de silêncio para usar como se fosse estilo ou charme, sem conseguir convencer os outros espectadores que me permito (uns tantos que dentro de si paravam, mas fora de si passavam desatentos). Se ao menos você estivesse lá para assistir, eu diria que houve mérito em minha tentativa, ainda que desconhecesse ter havido de fato sucesso, o qual pode até ter havido, mas quem liga pra isso afinal quando a satisfação é puramente pessoal e independe de todo o mais? Me levo a crer que tudo passa a ser resto quando só uma específica coisa nos importa, esse é o caso hoje. Isso é um erro e você sabe, é um grande erro quando descuidamos de nossa fé sendo a fé o pouco que nos resta da coisa rala que nem existia mas que achávamos que estava lá. Antes, “nada” simplesmente não era. Hoje, “nada” apresenta-se como a ausência de algo (um dublê de conceito filosófico desses bons e baratos para discutirmos de madrugada), não mais uma etiqueta dizendo “nada” colada sobre algo que assim era considerado e nomeado, como o silêncio que simplesmente não existe, pois sempre há um bzzzzz. Preste atenção. O silêncio não funciona.

Ei-lo aqui: o nada, embrulhadinho para presente como um bebê que a cegonha traz. Sem cartão, no entanto. Desculpe.

Dessa vez, acho que o tal nada pode representar bem uma vida inteira, dormindo todas as noites mais por tédio do que por sono, com lágrimas nos olhos mais por sono do que por tristeza, com dor no estômago mais por tristeza do que por fome, e um pouco angustiado mais por... mais por desamor mesmo.

Mas isso que há, isso aqui que nos cerca sem ser ar (ou silêncio que não é nada pois faz bzzzzz), merece aplausos por ostentar uma etiqueta sem nome, a redundância retórica de tudo que acaba por ter um fim em si próprio. Você é perfeita, parabéns pra você! Oh, eu-te-amo, você tem olhos de tormenta e sempre os traz consigo. De onde saem essas coisas... “Está na Bíblia”, diga: “está na Bíblia”. Dia desses um cara disse isso, talvez pela TV.

Se a sua recordação me veio agora para me cobrar uma confissão, saiba que eu quis fazer o máximo possível, não o melhor possível. O máximo, tudo, tudo o que pude e ainda aprendi mais um pouquinho para tentar fazer mais. Juro. Ainda assim, acho mesmo legal isso agora, já era hora. Ainda bem que estamos todos preocupados com alguma coisa, ainda que seja isso, seja lá o que isso for, por nenhum motivo melhor. Por falar nisso, motivos melhores? Ora vejamos, foi sua tia (não a da peruca, a outra), num arroubo de reflexão afogada em cerveja quente, quem disse certa vez que não há motivos melhores ou piores, apenas motivos, e que ela tinha, sim, seus motivos. Depois vomitou. Lembro porque quem limpou fui eu. Sua tia era uma ridícula. A da peruca também. Sua família toda. Todos naquela festa também. Também todos os que não foram naquela festa, o que se não me engano inclui o resto do mundo, daí então são todos ridículos, incluindo a mim que ainda por cima tive que ficar pra depois.

Espero que fique claro por que quero apenas dormir dormir dormir dormir dormir dormir dormir.

Esqueça



O cansaço faz dormir sentado no meio fio, cotovelos nos joelhos, rosto nas mãos, pés no bueiro. Logo ao despertar, me ocorre que quanto mais próximo do absurdo mais plausível fica. Falo de tudo.

Consegui me lembrar de metade do sonho que tive, mas vou contar apenas metade do que me lembrei: sujeito sem rosto caminha entre portas sem paredes, apontando sombras perdidas no chão, dizendo coisas pedantes do tipo “Sou o senhor de tudo que nunca foi feito, das vontades irrealizadas... Senhor do que deveria ter sido dito, mas que por medo foi engasgado”. Eu não digo, mas penso que aquilo não tinha como ser sério, mais por pura falta de paciência do que por querer ser irônico, então ele some em vapores. Tinha sonhado com algo que vi um dia numa rua. Nem me lembrei direito do sonho na manhã seguinte (como já disse), até porque quando acordei aquela manhã já tinha passado. Acho que o “senhor” de tudo isso etc. deveria ser eu, que acordei já era tarde e ninguém me censurou por isso.

Esqueci, não havia ninguém.

Não tenho por que negar, levei mais tempo do que gostaria pensando em algo que não queria. Cenas de sexo intercalavam-se com minhas lembranças das palavras ou trechos de palavras e pedaços de frases que eu disse mas não deveria ter dito. Não fumo, acontece que me vem agora uma vontade imensa de ter um cigarro em mãos para chegá-lo próximo aos olhos, apenas pelo gosto do gesto.

Funciona como uma hipnose, depois as coisas vêm numa fila por ordem de irrelevância, daí me lembrei do seu aniversário apesar de você não ter se lembrado do meu, acho que isso conta alguma coisa. O que você teria dito se estivesse aqui? Teria dito que não, que não conta nada, mas teria dito em outro idioma, qualquer daqueles que você fala e não entendo. Mais de dois, nunca me lembrei ao certo, se me lembro. Você ria disso enquanto eu dizia que me sentia orgulhoso de você. Até onde me lembro era isso. Devia ter te ligado? Teria sido educado. Eu até ia, mas meu cachorro comeu meu dever de casa e minha avó morreu, de novo. Desculpe, estou tentando achar alguma desculpa plausível, mas não consigo, elas simplesmente acabaram pouco antes da grande chuva.

Por fim, se conselhos valem de alguma coisa, tenho um bom aqui. Se um dia encontrar alguém apontando para a sombra da própria mão que aponta projetada numa calçada rachada, ignore as farpas da sua enorme placa velha de Jesus Está Voltando e bata com bastante força na cabeça dessa pessoa. Bata, bata, bata repetidamente e não se esqueça: o ódio nas ações dispensa o uso de razões.

Observação: recuse a ajuda do velho segurando uma placa de O Fim do Mundo Está Próximo. Ele não sabe de nada, vai querer bater só por diversão, e isso não é divertido. É trabalho.

terça-feira, 10 de março de 2009

.



Quando cheguei, já estava tudo destruído. Nem entrei para ver o resto, me virei do primeiro passo mesmo e saí de volta, fui ver de novo tudo o que tinha me acompanhado passivamente até aquele momento. Não bati a porta, deixei ela ir num leve impulso com a ajuda do vício das próprias dobradiças. Não bati a porta, ela é que se bateu, sozinha.

Sabe, hoje Deus falou comigo, e me disse que ele não existe. Devo acreditar nele agora, justamente agora, uma vez que nunca acreditei em toda a minha vida?

Nunca, nunca acreditei em toda minha a vida. Vida falsa em termos, não devo acreditar nela. Posso ter acreditado em partes dela, mas em toda? Toda é difícil. Há um medo estranho que sempre tive de rezar antes de dormir pedindo para sonhar que sou um pássaro e, ao fechar os olhos, acordar descobrindo que era uma estrela-do-mar sonhando que era um homem. Isso deve ser o tal medo de ser feliz sobre o qual os psicólogos gostam tanto de falar. Mas então, voltando àquele papo do sonho, me lembro de quando conversamos sobre aquela história do sábio chinês que já não sabia se tinha sonhado que era uma borboleta ou se ele era uma borboleta sonhando que era um sábio chinês. Você achava que aquela era uma reflexão besta e que melhor seria imaginar uma lagarta tendo pesadelos sobre ficar eternamente presa no casulo que ela mesma criou ao redor de si, mas eu nunca vou saber disso, pois você saiu de lá de cabeça baixa e sem dizer o que pensava, mascando um chiclete já velho, depois nunca mais nos vimos. Lembra?

Claro que não, você diria se estivesse aqui, se estivesse em qualquer lugar, mas não está, e agora fico eu cerrando os olhos, encarando o sol, queimando a retina para formar manchinhas que vão ganhando significados diferentes conforme desvio o rosto e pisco os olhos rapidamente, tendo como fundo essas bizarras e coletivas nuvens industriais. Vejo as manchinhas e penso sobre elas e vou interpretando de várias formas enquanto penso também sobre outras coisas. Sentia falta, claro, mas não saudade, afinal, quando eu cheguei já estava tudo destruído, eu nem sabia como era.

Eu sequer sei como se parece. Cara, eu não sei nem como se parece! Você tem noção disso? HAHAHAHAHAHAHAHAHA, essa é a melhor piada do mundo!!!

É por isso que durmo tanto sempre que posso e costumo procurar em qual direção está minha sombra quando ando por aí. Sobre aquele papo do sonho do sábio chinês da borboleta, esquece. A porta bateu sozinha, mesmo você não estando lá, mesmo com tudo já destruído desde antes de eu chegar, mesmo com o sol.

domingo, 1 de março de 2009

"Sideways Down" - The Frames



maybe I should just move along
but you know i'd draw blood if that's what you want

and you found someone who makes you laugh
who'd stick around, but that's not what you want

you slipped at the start
and dragged the whole thing sideways down
and everybody fucks up
it's just something that's been going round

and you found someone who said he'd stay
who'd give it all, but that's not good enough

now you're standing alone
and you're waiting alone 'cause you don't know what you want
and you're living alone
and you're wondering now, 'cause you don't know what you've done

maybe i should just disappear for now
then maybe you could see a little clearer now

and you found someone who makes you laugh
who'd stick around, but that's not what you want
and you blame it on your broken heart
but everyone who reaches out gets stung

now you're standing alone
and you're waiting alone 'cause you dont know what you want
and you're living alone
and you're wondering now, 'cause you dont know what you've done

maybe i should just move along

...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Intervalo



Pausa para um café feliz.

:D

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Intruso



Pergunta filosófica básica e ridícula: quem somos nós?

Ok, é lógico que não vou seguir por essa linha (foi-se o tempo, hoje acho um saco), mas eu me peguei me perguntando exatamente isso dentro de um contexto bem simples. Quem me conhece sabe que eu bebo, gosto de beber, e recentemente ouvi uma opinião que me remeteu a algo que ouvi há uns 10 anos.

Qual a opinião? "Nossa, você bêbado é muito divertido!".

Uma amiga me disse isso há uma semana, e me lembrei que, aos 20 anos, uma namoradinha da época me disse "Você fica tão mais divertido quando bebe! Acho que gosto mais de você bêbado do que sóbrio". Claro que aquele namoro não durou muito, até porque costumo passar mais tempo sóbrio do que bêbado, mas considerando-se o que dizem do álcool - que relaxa os freios morais, derruba as barreiras psicológicas que nos impedem de fazer algumas coisas sobre as quais pensamos duas vezes antes e tal - fiquei curioso em saber quem seria o meu eu sincero, meu eu original: o sóbrio ou o bêbado?

O escondido atrás das cascas da reflexão ou o liberado pelos elixires alcoólicos?

O capaz de pensar sobre meus atos ou o impulsivo deturpado pela bebedeira?

O quieto e observador atento ou o brincalhão conversador e cambaleante?

Daí minha pergunta, pois não sei se alguém saberia dizer ao certo se o goró libera nossas verdades interiores ou se acaba com nosso senso de autocrítica, se ele deixa expor a pessoa em sua sincera plenitude de pensamentos e emoções ou se ele distorce o que já estava sendo sinceramente exposto.

Quem seria o intruso de quem neste estranho caso? Dr. Jekyll ou Mr. Hyde?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Intrínseco



- Tenho.
- Duvido. Existe todo o resto entre nós! E aí? E o resto, e tudo que existe entre nós?
- Por favor, pare de repetir isso...
- Por que? Torno as coisas mais difíceis?
- É.
- Talvez porque eu esteja tentando fazer você enxergar?!?!
- Enxergar? Eu já enxerguei tudo muito bem há muito tempo!!!
- Você tá nervosinho, vou te dar um tempo pra pensar melhor, pra você se acalmar, depois a gente conversa com mais calma...
- Não vai haver "mais calma". A calma só virá com o tempo, muito tempo, tempo suficiente... No "agora", é isso como está, exatamente como se apresenta.
- Por que você faz assim? Você mesmo cria essas situações e depois fica se sentindo mal com isso... Já sabe como vai ser!
- Então talvez já esteja mais do que na hora de encerrar esse ciclo. Dessa vez, é fim. Precisamos terminar isso aqui. Não vamos repetir tudo como sempre.
- Isso é inútil, você sabe. Não vai dar em nada, por que fazer assim?
- Porque não dá pra evitar, essa é a minha verdade! Tô cansado de fingir pra mim que não importa, que consigo lidar com isso, que não me incomoda passar por isso de novo e de novo e de novo. Faz mal pra todos, pra nós dois, tem que parar.
- Então é assim?
- É... Tem que ser... precisa ser.
- E você não quer mais me ver, nem falar comigo?
- É melhor não.
- E você acha mesmo que vai segurar a onda, que não vai tudo se repetir de novo como sempre?
- Acho.
- Acha, não... Me diz: você tem CERTEZA disso?

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Interruptor



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Você já tinha voltado há um certo tempo, mas ela demorou para perceber. Você mesmo não tinha percebido até ela reparar que
- Você voltou. Há quanto tempo você chegou?
- Nem sei se eu devia estar aqui.
- Por que sumiu daquele jeito? Faltava pouco para o natal, não te vi mais, não nos falamos nos últimos dois meses.
- Desculpe, mas tem alguma coisa no meu sapato, acho que é uma pedrinha.
Enquanto sacode o sapato, você se pergunta se há sobras do almoço na geladeira. A geladeira faz um barulho estranho. Antes que você possa dizer, ela chega mais perto para saber se
- Você tá com fome? Sobrou um pouco de pernil, arroz e farofa do almoço.
- Era tudo que eu poderia querer.
- Tudo?
- Uma cerveja também.
Ela nem se moveu, apenas ali parada te olhando como quem lê um cartaz qualquer. Aproveite bem, pois o tempo que este olhar durar pode ser o tempo que falta, afinal, embora saiba que está para acontecer, você não sabe quando exatamente. Pode ser muito de repente, como saber? Pode ser a qualquer momento. Torça para que dê tempo ao menos de você dizer a ela que
- Vai acabar. Me dá sua mão só um instante e me ouve bem, olha nos meus olhos que é sério... Tudo vai acabar, mas não fica com medo, tá?
- Do que você tá falando? Da gente?
- Não. De tudo. Voltei com medo de que não desse tempo.
- Não brinca desse jeito, você parece maluco quando fala assim.
- E você sabe que sempre falo sério. Nunca tive senso de humor.
- Nunca teve.
- Pois é. Então...
- Você falava aquelas merdas, ninguém nunca deu ouvidos. Nem eu na maioria das vezes.
- Quando eu falava de açúcar salgado?
- E de fogo gelado, e de uma mosca engolindo sapos.
- E de chuva de guarda-chuvas, e de amor sincero.
- Amor sincero...
E vocês caem na gargalhada como há tempos não acontecia, mesmo na época em que você ainda estava aqui no antes. No agora, a gargalhada é doce, mas soa melancólica também. Vocês vão parando de rir aos poucos, ela enxuga uma ou outra lágrima enquanto ainda sorri bem leve. Você conseguiu mesmo, não é? Ela te olha, vocês em silêncio se olham. Nem perca seu valioso tempo perguntando se ela tem
- Alguém para quem você queira ligar?
- Daria tempo?
- Na verdade, não. Não sei. Acho que não.
- Então não. Só me abraça.
- Te abraçar.
- É, por que?
- Eu ia te pedir o mesmo.
Já não havia mais razões para poses nem planos. A qualquer segundo, você nem sabe como ou exatamente quando. Nem sabe se vai ter barulho que anteceda, luz colorida, brilho ou fumaça. Você sentado à mesa de jantar, ela encostada na pia. Vá em direção a ela, que ela já se afasta num impulso do mármore úmido. Esse longo caminho de dois metros, vocês anseiam pelo toque abandonado há meses, tomam seus últimos fôlegos, abrem seus únicos braços e se aproximam ansiosamente torcendo para que ainda haja temp