domingo, 9 de outubro de 2016

iiio


I.

Qual a metade do infinito?

Vinha tentando achar
Em vão
Pensando que deveria querer menos
O que quero infinitamente
Me deparando com um vazio
Encarando a metade do pleno como um pífio quase
E ninguém quer algo quase

Quase e migalha
Resto e sobra
Drogas pesadas
Satisfazem por um tempo
(porra, satisfazem por muito tempo até)
Mas a que custo...
Uma questão da necessidade
Da saciação, do alívio
Auto-preservação de quem não pode ter o que quer
E aceita ter o que pode
Esperando
Na esperança
Para ver quem cede primeiro:
O querer ou o querido
O verbo ou o objeto
A consoante muda ou a vogal átona


II.

Não fosse tortuoso esse caminho
Talvez os pensamentos na contramão fossem mais amenos
Mais ou menos
E ainda assim prefiro assim
Pois a estrada reta é repousada
Mas é chata
E ninguém quer algo chato

Quero é isso que me deixa tonto
Como os cigarros de quem começa
Como a transa encerrada em gozo
E o gozo seguido do cigarro
Antes de começar de novo

Sigo assim, amor
Entre a baía e o oceano
Entre o rio e a ostra
Entre o banho e a cama
Entre um cigarro e outro
Meu infinito querer
Entre o zero e você

Me perco e
Não consigo ver o caminho
No caminho
Que sigo torto
Tonto
Tropeço
E percebo
Na verdade que
Eu não quero achar a metade
Eu só quero é achar um meio

E meio que não ligo
Se me perco
Encontrando você
Me basta


III.

Vem ver, bem
Que achei bonito e estranho
E me senti tão burro depois
Pois
Eu devia ter notado que
A metade do infinito é uma lágrima
Vazia

Dei as buscas por mim encerradas

domingo, 11 de setembro de 2016

Duskish


I.

Eu já fui o remédio de alguém

Ela dizia que eu era como uma mágica
e queria me ver toda semana
Exceto nas noites em que eu a queria ver
(nessas não)

Até que ela quisesse de novo
e fazíamos um sexo estranho
e ela terminava calada após o gozo
Virava para o lado e puxava meu braço
para que eu a abraçasse por trás
e demandava que eu o fizesse calado

Não, nenhuma palavra minha
Até que ela sussurrava um "desculpa"

Vinha para minha casa certas noites
Deitava completamente vestida
Casaco, jeans, tênis, tudo
Sem sexo naquela noite
Apenas virava para o lado, puxava meu braço
para que eu a abraçasse por trás
e demandava que eu o fizesse calado

E ela chorava baixinho
e eu não sabia o que fazer
Eu tinha 21

Nesse ponto eu já sabia
Ela era mal-assombrada
Havia um inquilino
Indesejado e profundamente desejado

Um amor por outro
Mas o corpo ali era o meu
O cara que estava lá aplacando a ausência do cara que não estava lá

Meu corpo tela de cinema
Voodoo/Consolo quente
Salvando a vida dela pouco a pouco
De um afogamento em si
Quando sentia-se nadando para o fundo
e me esticava o braço
e eu puxava com força
Nadando para a superfície
Boiando à tona
Abraçando ela por trás
Mudo calado

Nunca me senti humilhado
Nem menosprezado nem diminuído
Havia uma permuta clara ali
Recebíamos um do outro exatamente quase tudo que desejávamos

Eu fui seu remédio
O tratamento foi um sucesso
Nunca mais a vi


II.

Hoje lembro de mim mesmo
Que não gosto de tomar remédios

Fico mesmo é com os venenos que,
Descubro
Mesmo eles
Até eles
(ria comigo)
Puseram-se todos fora da validade


III.

Sempre gostei do amargo

Claro, prefiro o escuro
Prefiro um erro certo ao encantado
Prefiro o berro da verdade abrupta à anestesia de uma farsa a longo prazo

Há tempos perdi as frescuras
De um machismo que nunca me pertenceu
Possessividades e achismos
In-seguranças e certezas (razões nunca tive)
Morreram-se todas
Mas meu porte, minha barba, meu álcool e minha força
Ainda fazem de mim um clássico
De certa forma, um novo clássico

Não me tome como a um remédio, baby
Que estou mais para um vinho de garrafão

Se for pra ser assim, amor, eu quero
Mas se não for pra ser assim

Eu quero também

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Dewoz


E se o único motivo pelo qual não conseguimos atravessar espelhos for o fato de nossos reflexos estarem do outro lado fazendo força igual e contrária para nos bloquear? E se estiverem fazendo isso para nos proteger, nos impedindo de atravessar para um mundo distorcido, corrompido e pernicioso? E se nós aqui pensamos que vivemos em um mundo distorcido, corrompido e pernicioso, será então que, na verdade, somos nós os reflexos das pessoas do outro lado do espelho e seguimos um instinto inconsciente, inevitável e irreprimível de protege-las impedindo-as de passar pra cá? Faria diferença sabermos de qual lado do espelho estamos?

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Preciso


Para quando você achar, enganado ou não
Que seu maior talento é ser muito bom
Exatamente em coisas que não prestam para nada
E seu maior defeito é ser bem o oposto

Acalme-se, aceite-se, azeite-se, aguarde

Porque na hora em que o circo pegar fogo
(e, acredite, ele sempre pega)
O trapezista não é de maior valia
Do que o palhaço que gira pratos no topo de varetas.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Mim


Um dia eu conto pra vocês sobre a noite em que sobrevivi à luta feroz que travei contra um tubarão
e um urso
e um tigre
e um leão
e um lobo
e um dragão
na minha cabeça.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Ode


Acordei cedo naturalmente pela primeira vez na vida, como se fosse a coisa mais natural da vida, como se fosse natural eu ter vida tanto quanto eu sentia que tinha, ali, ao seu lado. Você já estava acordada, me olhando como quem procura um erro, me emaranhando no pântano desses olhos. Não consegui te dar bom dia, eu não conseguia falar. Sua expressão sequer mudou, fora um lento piscar de olhos e um ajeitar de ombros para reencaixar o travesseiro que estava viciado da noite.

Não pude lembrar se estava na minha cama, no meu quarto, num fim de semana. Não pude enxergar referências porque não havia mais nada ao meu redor. Éramos nós e um perfume... um perfume novo, diferente, que não existe de verdade. Algo assim deveria valer uma grana, pensei, mas algo assim não tem um preço que se possa pagar.

Estiquei meu braço e passei as costas da minha mão em seu rosto, mais para tirar a dúvida de se você realmente estava ali do que pra te afagar, e me veio à mente uma ideia maluca de que agora dava para imaginar o que acontece quando se salpica canela numa rosa chá. Deve parecer assim, com você. Sem mais metáforas, deve ser bem assim mesmo.

Eu ia chegar na parte em que descrevo seus cabelos, mas você quebrou o silêncio com a boca ainda meio coberta pelo lençol de seja lá onde estávamos, e disse "tem uns fios brancos na sua barba", e eu disse "alguns", e o silêncio se recolocou.

Os dois olhos verdes agora baixavam-se e a testa franzia. As mãos pequenas e brancas puxavam mais lençol, mais lençol, mais lençol até que não deu mais. Nadou em minha direção, se encolhendo até que sua testa encostasse em meu peito, seu joelho em meu quadril, puxou meu braço para abraçar-se em mim. Não disse mais nada.

No mínimo que ainda faltava, me aproximei, colei meus lábios em seus cabelos e só então, finalmente, respirei.

Ninguém mais vai te fazer mal
I am here now

terça-feira, 5 de março de 2013

Existente


Sentado em sua baia, totalmente curvado, com a cara quase enfiada na caneca vazia que ele segura firme enquanto encara, vesgo, o fundo manchado por anos e mais anos de café. Pensa que devia reduzir seu consumo de carne vermelha. Pensa que não há saída. Pensa em como tem achado seu rosto inchado quando se olha no espelho ultimamente. Pensa que já é hora de cortar as unhas, mas que isso ainda pode esperar um pouco, afinal, nem estão tão grandes assim.

Por toda sua juventude, imaginou que alcançaria uma vida perfeita: sairia de casa aos 18, estaria casado aos 24, seria pai aos 28, teria um consultório só seu... não, um consultório não, um escritório... não, nada de escritório também: teria um atelier, um estúdio! Só seu. Seria renomado, reconhecido internacionalmente, talvez. Com sua fortuna, levaria uma vida boa e segura, construiria um orfanato e um asilo de qualidade, onde todos seriam sempre bem tratados, com dignidade. Com sua fama, espalharia nas mídias a conscientização de que o mundo pode ser um lugar melhor se todos passarem a se aceitar e se respeitar (uns aos outros e a si mesmos) exatamente do jeito que são. Talvez um dia ganhasse o prêmio Nobel da paz, seria muito merecido. Seria muito bom.

Mas tudo que seria não era o que é. Flagra-se ainda olhando fixamente para o fundo manchado da caneca vazia. Pensa que qualquer dia vai quebrar essa caneca acidentalmente de propósito só para poder comprar uma nova, sem manchas. Ergue suas costas lentamente, puxando toda a podridão do ar-condicionado central para dentro de seus pulmões e então, curvando-se para trás, abre os braços, se espreguiça, quase grita. Treme. Volta à posição em sua cadeira, como que se fechando sobre si mesmo. Esfrega os olhos só com as pontas dos dedos de uma mão, ajeita-se para a frente, mexe no mouse para acordar a tela. Olha ao redor, tenta lembrar quais são os prazos do dia. Os prazos os prazos os prazos os prazos os prazos. Olha através de dois corredores para que só então sua visão alcance uma janela, uma janela que tem vista apenas para as janelas espelhadas enfileiradas fechadas do edifício comercial em frente. Ele se imagina refletido nelas, mas não vê nada na verdade. Imagina alguém lá, olhando pra ele de volta. Volta-se para o computador, há prazos. Isso tudo o entorta cada dia um pouco mais.

E essa moça do café que não passa. Já vai dar onze horas.