quinta-feira, 14 de maio de 2009

Enfim



Tudo começou quando eu disse que nem crise econômica mundial nem surto de gripe suína colocariam esse mundo nos eixos. Só mesmo se descesse um imenso disco voador no centro de Nova Iorque e de dentro dele saísse a Virgem Maria, gigante, montada em um gigante tigre siberiano, anunciando que tudo sempre foi uma grande mentira, nada menos. Só isso mesmo para fazer com que o planeta e os estúpidos humanos que o habitam parassem de correr atrás de territórios, dinheiro e poder para prestar atenção no que alguém tinha a dizer.

Isso aconteceu no dia 26 de agosto de 2018, precisamente às 10:16 da manhã (horário de Brasília), quando todas as esperanças já pareciam perdidas. Demorou pouco para que Maria saísse da nave após seu pouso suave no Central Park, tanto que pouquíssimas câmeras estavam no local no momento de sua revelação, embora suficientes para que a cena histórica fosse transmitida para todos os continentes quase em tempo real. E lá estava ela, imensa, potente, com a mesma imagem que estávamos acostumados a ver e reconhecer com sendo Nossa Senhora, sorrindo como quem ganha uma fortuna por mês sem ter que trabalhar. O tigre em que montava era impecavelmente branco, com olhos de laser azul, não fazia qualquer gesto brusco.

Maria disse, em um português claríssimo para carioca nenhum botar defeito, que era chegada a hora do fim do que estava errado e do começo de como deveria ter sido desde sempre. Ela olhou ao redor, numa virada de cabeça que demorou 57 segundos de um extremo ao outro, e disse serenamente:

- Meus filhos... Vocês fizeram a porra toda errada nessa merda. Eu tive que vir antes que vocês mandassem tudo pro caralho. Esqueçam igreja católica, protestantismo, budismo, espiritismo, islamismo... Religião é o cacete. Neguinho inventou um monte de idéia doida lá atrás, a parada foi reescrita mil vezes, a história original que a gente inventou nem era essa...

Ela prosseguiu falando que, na verdade, eles eram um grupo de alienígenas que chegou aqui na Terra na época em que só havia lagartos gigantes. Não gostaram do que viram e mataram tudo, colocando no lugar uns bichinhos mais agradáveis e peludos que nós classificaríamos milênios depois como os primeiros mamíferos. Eles queriam aproveitar o planeta como um tipo de manicômio ou asilo, onde os indivíduos de sua sociedade (avançadíssima) que nascessem com retardo mental e/ou deficiências físicas seriam deixados à própria sorte, poupando as pessoas saudáveis de seu planeta natal da convivência com tais seres. Com o passar do tempo, contudo, os indivíduos desfavorecidos deixados na Terra mostraram-se capazes de gerar uma prole mais saudável, e tal constatação fez com que os governantes de Javé (esse era o nome do planeta natal de Maria) resolvessem que era uma boa colonizar o planeta com indivíduos mais empreendedores, que contudo foram privados da maioria dos avanços tecnológicos de sua raça, só pra que a parada ficasse mais interessante para quem estava assistindo.

Em resumo, ela falou, falou, falou, contou a história que queríamos tanto ouvir e deu certo. O mundo parou. Todos pararam. As bolsas de valores, as empresas, as escolas, os governantes, os governados, todos pararam de correr atrás de algo. Enquanto alguns assistiam a tudo bebendo cerveja quente, outros cometiam suicídio ao perceber que estiveram errados a vida inteira. Outros também se deram conta de que não havia nada depois daqui, mas ao invés de sairem cometendo suicídios, saques e estupros, apenas respiraram bem fundo, sorriram e coçaram a nuca.

Ao terminar sua interessantíssima história, Maria parou, olhou tudo e todos que então se aglomeravam ao seu redor, e disse:

- Vocês devem estar querendo saber sobre Jesus. Bom, fui eu quem trouxe ele aqui sim, e eu era mesmo virgem naquela época. Não, ele não morreu na cruz, não ascendeu aos céus, nada disso. Ele simplesmente sobreviveu, seguiu pra Índia, rodou o mundo todo e cansou, parando finalmente no Brasil, onde achou tudo o que queria na vida. Assim como todos nós habitantes originais de Javé, Jesus tem uma expectativa de vida consideravelmente superior a dos humanos, e encontra-se vivo e muito bem até hoje. Atualmente, ele atende pelo nome de Jô Soares e apresenta um programa de entrevistas transmitido por rádio e TV, entre outras atividades. Se nunca ouviram falar, joguem no Google.

"Isso quase explica muita coisa", pensei.

Já havia silêncio há um tempo quando, às 18hs daquele mesmo dia, o tigre rugiu, Maria sorriu e virou-se, retornando ao interior do imenso disco voador. A plataforma recolheu-se, a porta fechou-se, o disco decolou e nada mais foi dito ou ouvido por cerca de um minuto. Os números nunca mais seriam os mesmos, os índices, as previsões, as especulações, as modas, as paradas de sucesso, os regimes políticos, tudo teve que ser repensado. Recolhidas em seu quartos, celas e escritórios, algumas pessoas choravam, oravam, gargalhavam ou cortavam-se com lâminas de barbear, mas independente do que estivessem fazendo, estavam todas sozinhas (e ao mesmo tempo já nem tanto). Os mortos permaneceram mortos, outros mais morreram aos borbotões nos dias seguintes, e os sobreviventes começaram a fazer o que seus tataravós já deviam ter feito.

Para vocês que leram essa história, ela termina aqui. Sobre o que aconteceu com Jô Soares depois da grande revelação, ninguém saberá. Mas não se preocupem, tudo vai dar certo.
Um dia.

domingo, 10 de maio de 2009

Melhor



"O pior de tudo", pensei, "o pior de tudo é acordar e saber perfeitamente quem eu sou, sempre. Melhor seria acordar numa banheira de gelo sem os rins".
Melhor seria poder passar o dia inteiro sem sequer me olhar no espelho.
Melhor seria nem ter opção, mas o pior é que há, ora vejam só.

Passe-me o cardápio, por favor. Sim, sim, vou querer, vou querer... O prato do dia é um resfriado, não tem jeito. O acompanhamento, opcional, é um sorriso falso. Ok, obrigado.

Pensamentos assim podem nutrir o dia inteiro, o fim de semana inteiro de uma pessoa, mesmo se pensados por apenas dois minutos, desque que pensados nos primeiros dois minutos contados do despertar. Aquele tinha sido um desses, e o futuro encontrava-se taxativamente fadado a não existir mais. Adeus futuro, de agora em diante, há apenas o presente repetindo-se incessantemente, sempre sempre sempre sempre sempre.

No espelho era eu de novo, me enxergando diferente por me achar muito feliz na merda em que estava. Um alívio que só a solidão consegue trazer quando a gente se cansa de desesperar e/ou de desejar. Ah, como é bom não dever nada além de dinheiro... Não dever companhia, não dever obediência, não dever satisfação sexual, não dever passeios, não dever boas notas, não dever atenção, poder ser todo e plenamente vazio num silencioso e vazio fim de semana. Nem para comer me levantarei deste sofá! Decreto. Sem pais, sem namorada(s), sem animal de estimação, sem expediente, sem muito o que arrumar nesta quitinete e o que há para ser arrumado permanecerá desarrumado por tempo indeterminado. Passo as mãos pelo corpo para me certificar de novo de que realmente não retiraram meus rins esta madrugada (sempre tive esse medo de que a realidade se altere do nada ao meu redor e as poucas certezas que eu tenho não valham mais). Se bem que, em minha pobre e humilde opinião de quem fita o teto, poderiam ter levado meus rins, meu fígado e meu coração. Sem problemas.

Não, peraí... o fígado não. Ainda tenho planos para ele.

De resto, tudo o mesmo. "A mesma imagem e semelhança de Deus, oh sim, esse sou eu!", grito, apenas em pensamento (os pensamentos, sempre os pensamentos), pois gritar pra valer cansa e só presta para algo se houver quem presencie. A fome chega e mais uma de minhas juras vai por água abaixo, me levantarei do sofá pra comer.

Na falta de café e pão com queijo, tenho cerveja na geladeira e pizza de supermercado congelada.
Para um café da manhã às 14:39, serve.
"Não serve, Deus?", pergunto.
Deus diz que sim e se retira, mas antes recomenda que eu cheque novamente se não tive meus rins retirados na última madrugada.

sábado, 9 de maio de 2009

"I Don't Want Control Of You" - Teenage Fanclub



Uma das minhas músicas preferidas de uma das minhas bandas preferidas!

Espero que curtam. Em breve volto com um texto meu.