quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Limerância


Preciso contar antes que eu esqueça.

Voltemos um pouco à Faculdade de Letras na Ilha do Fundão. Naquela época, entre meus 19 e 23 anos, eu vivia apaixonado. Platonicamente. Todos os dias. Trocava uma paixão platônica por outra, sempre havia uma garota que me tirava o fôlego, mas com quem eu não conseguia sequer falar direito sem gaguejar, quanto mais dar uma cantada decente, chamar pra sair, ter um clima... vocês já entenderam. Eu escrevia poemas, compunha canções, sofria nas noites solitárias. A única dessas paixões que se concretizou foi exatamente a única namorada que eu tive na faculdade, mas já conversamos sobre ela na postagem anterior, vamos deixá-la na santa paz da Europa e contar outra história hoje.

Sábado passado fui ao aniversário de uma antiga amiga da Faculdade de Letras. Menina maravilhosa, fui apaixonado por ela um bom tempo, mas como eu disse, "fui", no passado, foi apenas mais uma das minhas paixões platônicas crônicas. Passou, acabou, nunca rolou nada. Nem rolaria, na verdade nós nunca tivemos muito a ver e desde que a conheci ela sempre namorou um cara bacana que era perfeito pra ela, tanto que se casaram. Na verdade, gosto dessas histórias como a deles, de gente que se combina e se acha e dá certo, isso enriquece minhas esperanças na humanidade, ou algo do tipo. Hoje eles são felizes, eu fico feliz por eles estarem felizes, é isso que importa.

Mas continuando: a festa foi num pub um pouquinho escondido (me pareceu) em Botafogo, mas bem legal. Daí vai que nesta festa de aniversário eu fui o único do nosso círculo de amizades que compareci, o que me deixou isolado no meio de todas aquelas outras pessoas que se conheciam e interagiam. Eu não queria interagir com os convidados, eu não fazia parte daquele outro mundo, meu amigos não estavam lá, então tomei meu lugar no limbo do bar, bebendo cervejas e pelo menos um drink afrescalhado que, cá entre nós, estava uma merda.

Começou um show ao vivo e me afastei ainda mais do grupo da aniversariante para poder assistir melhor a banda. Lá pela quarta música sinto que uma loirinha estava em pé próxima a mim. Bem próxima. Agora mais próxima. O álcool já me permitia olhar pra ela de forma mais cara-de-pau do que eu me permitiria sóbrio, então ela falou, meio dançante,
- Os caras mandam bem.
E eu disse
-É. Pelo nome pensei que seria cover do Tim Maia.
Daí ela disse
- É?
E eu disse
- É, o nome da banda é "Filhos do Síndico".

Ela não respondeu. Ou não ouviu, ou não entendeu.

É aí que entra o "eu" que não costumo ser eu e digo
- Mas então, você tá aqui sozinha?
- Não, vim com umas amigas, é aniversário de uma amiga.
- Você tá de carona? Ou trouxe alguém?
- Tô de carona.
- Então vamos sair daqui comigo depois dessa música, a gente conversa melhor e vai pra algum lugar se divertir bem mais do que aqui.

Isso resume um pouco, não vou estender esse texto por cem parágrafos... Eu vi que ela também já tinha bebido "um pouco", arrisquei. E é claro que ela falou
- Espera. Me espera.

Ela foi falar com as amigas. Voltou com a bolsa. Ela deve ter achado que eu era um bom partido, haha. Fechamos nossas contas e saímos. Ela perguntou
- Seu carro tá longe?
- Não... Eu tenho muitos carros. Eles passam toda hora, amarelos com faixa azul.
- Tá de táxi?
- Com táxi não tem erro. Com dinheiro na mão eu vou pra onde a gente quiser, e dinheiro na mão eu tenho pra ir até Teresópolis. Pra onde a gente pode ir agora pra se divertir mais o resto da noite?
- Ah, aí eu deixo contigo.

Pois é, nem eu acreditei. Seguindo a deixa perfeita, pegamos um táxi direto pro meu motel preferido, algo entre o Estácio e o Maracanã. Conversando com ela eu percebi que meu raciocínio não estava tão errado e que ela realmente se sentiria melhor lá do que na minha casa.

O resto não preciso contar. Vocês imaginam daí o que aconteceu enquanto eu me lembro daqui do que aconteceu de fato.

Ela não era exatamente gordinha, eu diria que ela era grande. Tinha uma cintura marcante, e sou louco por cintura. Tinha coxas, bunda e seios de um volume sádico. Tinha cabelos lindos, perfumados, longos, meio loiros e meio castanhos, lisos e macios. Tinha olhos normais, castanhos, mas quase não os vi abertos. Não dormimos depois, e nem depois. Quando nos demos por satisfeitos, resolvemos ir embora. Nem estava de manhã ainda.

Saimos para a rua, paramos um táxi. Botei ela no táxi e disse
- Daqui eu vou a pé, tô perto de casa (mentira). Fica contramão pro motorista (mentira). Te ligo mais tarde, tudo bem (mentira)?
- Tá. 'brigada pela noite.
Ela disse com um sorriso bonito. Eu retribui o sorriso e disse
- A noite foi ótima, adorei te conhecer (verdade).

Ela se foi. Confesso que fiquei olhando o táxi até sumir (o táxi, não eu). Mas não liguei depois, ao menos até hoje. Ela não me ligou também. Isso é bom, até onde eu sei, todos tiveram o que quiseram, ou não, ou ao menos eu tive, e pronto. É assim. Nós aproveitamos exatamente tudo o que tínhamos a aproveitar sem o risco da corrupção de uma convivência prolongada, não nos demos o luxo de nos condenarmos pelo tempo. Por que é que eu antes achava que era diferente? Ingênuo, suponho. Cara, quanto tempo eu perdi sofrendo durante meus vinte-e-pouco e até o começo dos trinta...

Senhor Rudyard Kipling, acho que já sou capaz de sofrer a dor de ver mudadas em armadilhas as verdades que eu disse e as coisas pelas quais um dia dei a vida estraçalhadas, e refazê-las com o bem pouco que me reste.

Então, qual é a moral da história? Nenhuma. Vocês simplesmente acompanharam uma noite na vida de um cara que um dia já foi capaz de se apaixonar, mas que graças às lições da vida ficou prático para seu próprio bem. Meus amores agora são meus gatos e minha conta bancária. Está muito bom assim. Aliás, me desculpem minhas leitoras (ou não), mas desde que a tendência à mínima limerância que seja abandonou minha vida, tenho tido mais sucesso.

Próxima.

8 comentários:

Flavia disse...

putz.
você desistiu,isso parece grave.
e agora?
vou ter que deixar de acreditar na humanidade também.
vai ver eu acabo me dando bem que nem você.
ou vai ver eu nasci pra ser uma romântica bécqueriana sofredora... por siempre jamás, como eles dizem nos finais dos contos de fada aqui.

Marcos AM Ramos disse...

Eu não desisti, Flavia... ao menos não busquei isso... mas acho que estou flertando com a desistência e experimentando o torpor de "não amo, não sofro". Simplesmente não consigo mais sentir como já senti um dia, foi automático, foi desprovido de vontade da minha parte. Estar assim nunca foi um plano, mas confesso, tem sido tão mais indolor... O sentimento de amor já estava me fugindo, seria eu tão condenável assim por abrir mão da dor se me surge esta condição?
Insisto, eu não quis, mas estou, sim, vivendo esses dias patifes que me foram instilados por uma amargura imensa. Eu os aceitei, contudo, espero agora presenciar as cenas que me provem o contrário, que me provem que estou errado. De coração.
Obrigado pela sua presença aqui, mesmo depois de meus meses de ausência. Não desista do blog, ainda pode acontecer muita coisa.

Flavia disse...

eu não desisto do blog não.
me faz bem " te ler", mesmo nessa tua nova fase.
aliás, enquanto eu relia teu texto, minha cabeça tocou de música de fundo aquela do Chico Buarque, Viver do amor.
você tá certo sim de aproveitar essa liberdade provisória que o amor te deu.
besitos e até a próxima.

Tatiana Sandim disse...

Marcos, me identifiquei com seu texto!
Ultimamente tenho pensado que parece que amar virou obrigação, que a única forma "aceita" de viver é apaixonado, querendo se apaixonar, se curando da última paixonite...
Estou com a Flávia: aproveite essa liberdade (possivelmente) provisória que o amor te deu...
Não é ótimo? As possibilidades, as alternativas, as escolhas.. tudo tão mais leve!
Um beijo!

Marcos AM Ramos disse...

Sabe, Tatiana, agora há pouco eu conversava com uma amiga via MSN sobre essa fase de "não sentir nada, nem saciedade nem fome, nem alegrias nem tristezas"... Isso é bom? É ruim? Se quer saber minha opinião, é exatamente como tudo nesta vida: tem seus prós e contras. Estou me focando nos prós.
Obrigado pela visita e pelo comentário aqui e no IS2PAD!
Bjs

Giselle Fleury disse...

Não sei bem as suas outras leitoras, mas eu AMEI a sua noite. Parecia uma descrição de um filme de Woody Allen sem as dores infinitas, o que fez ficar interessante por isso mesmo :-)

Anônimo disse...

Acho legal o que aconteceu com voce, gostaria que fosse assim comigo. Depois que descobri sobre limerância tenho minhas preocupações sobre o assunto. Tenho facilidade e(parece loucura) vontade de me apaixonar intensamente tanto quanto ser correspondida. Gostaria de me livrar desse sentimento.
Abraços.

Elisabete disse...

Provavelmente, não vou esquecer mais o que li aqui. Há uma pontada de dor, e ao mesmo tempo um alívio de saber que essa ausência de sentimento não é pessoal. Eu também me sinto assim, mas sofro quando é outro que se sente assim em relação a mim.Vai entender essas neuroses nossas de cada dia.
Mas eu sinto saudades dos tempos em que me apaixonava. A vida tinha mais cor, e o sofrimento valia à pena