domingo, 30 de setembro de 2007

Roma



Seja lá quem começou com essa história de “amor”, inventou uma palavra chave em se tratando de controle e manipulação de pessoas. A chantagem emocional em muitos momentos se mostra mais eficaz do que o convencimento racional, e envolver o termo “amor” na primeira situação costuma se mostrar muito útil, negócio da China.

Imagine só: ao invés de virar para a outra pessoa e dizer “adoro sua companhia, sua conversa, seu toque, seu beijo e seu sexo”, você se resume a dizer “eu te amo”. Bem mais prático. Mas daí vem a situação em que você na verdade pensa “adoro seu toque, seu beijo, seu sexo, mas sua companhia me aborrece e não te quero comigo toda hora”, e continua dizendo “eu te amo”. Em outro momento, a idéia é “adoro sua companhia e quero você na minha vida para sempre, mas desejo beijar e fazer sexo com outras pessoas”, e ainda assim o sentimento é expresso no tradutor universal “eu te amo”.

Veja bem, não acho que, em nenhum dos casos acima, qualquer dessas pessoas esteja errada. Elas apenas realmente consideram que aquilo que sentem é “amor”, que é por esse nome que tais conjuntos de sentimentos em suas diversas composições devem ser chamados: amor. Desta forma, me parece que este é mesmo um conceito muito pessoal (ora, e não são todas as coisas afinal?), algo entendido de várias formas por cada um. Ótimo pra eles. Eu apenas tenho uma cogitação diferente. Estou achando que nada daquilo que exemplifiquei acima seja o que se diz de fato. Às vezes me parece, apenas, que o tal "amor" talvez não exista por si só.

Sei lá. Não que esta seja minha opinião, estou apenas levantando uma questão, mas é assim que tenho pensado neste preciso momento. Daqui a uma semana ou um ano posso chegar a novas especulações, lógico. Normal. Não é? Eu comecei a refletir sobre o assunto quando parei pra pensar nos vários “amores”, nas várias formas de amar (amantes, amigos, filhos, pais, cônjuges, Deus, a si mesmo etc.), suas diferentes intensidades e seus diferentes nomes. Foi justamente aí, ao pensar em seus diferentes nomes, que percebi que tais nomes existem para definir certos sentimentos preexistentes de forma mais clara e sincera do que o genérico e multifacetado “amor”. Parece que o “amor” é como o socialismo: o conceito é lindo, mas na prática obtém-se qualquer resultado, menos aquilo que se pretendia. É como se fosse um canivete suíço dos sentimentos, aplicado a várias situações que já possuem nomes específicos mas que, por algum motivo estranho, naquele momento chamam-se de "amor". Talvez seja um termo meramente empregado como definição de uma equação que reúne elementos já conhecidos por todos, como desejo, ciúme, admiração, interesse, medo da solidão, instinto de sobrevivência, instinto de preservação da espécie, dependência, e talvez até sadismo e masoquismo.

Nesses tempos em que desenvolvemos uma memória instantânea para assimilar tudo no ritmo em que acontece, acabamos perdendo contato com toda e qualquer profundidade com relação a nós mesmos e ao próximo, estendendo esta instantaneidade aos sentimentos, fazendo interpretações superficiais de absolutamente tudo. Acabamos tendo milhões de paixões fulgazes e volúveis. Muitas valem apenas uma noite, poucas passam de algumas semanas, e nada mais dura uma vida. Nada que signifique.

Recentemente, conversei com algumas pessoas (umas íntimas e outras estranhas) sobre os atuais discursos da psicologia (pois é) sobre a falência da monogamia e que assumir e aceitar relacionamentos poligâmicos é o que há, especialmente para amenizar (e muito) tanto a angústia trazida pelo ciúme e pela possessividade quanto a tristeza que assola com freqüência os sorumbáticos solitários. Cada um na sua, acho que topa quem quer, agüenta quem pode. Um amigo meu uma vez resumiu a idéia de forma bem direta e sucinta: “deixa o cara...”.

Se este sentimento de fato não existe e foi inventado apenas para que todos fiquem desejando ardentemente o inalcançável até o limite de suas forças, sei lá. Seja como for, não vou me esgotar em busca de respostas (esta fase já passou há tempos), mas pretendo não crer que “amor” seja apenas “roma” de trás pra frente...

E... Ah, deixa pra lá.

sábado, 22 de setembro de 2007

Drummond



Nada de mim hoje. Vamos de Carlos Drummond de Andrade.


REVERÊNCIA AO DESTINO

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

GH



Essa é uma historinha do meu passado, acho que eu tinha 21 anos.

Ainda era verão, o que no Rio é meio difícil de definir, e me lembro de ter pensado que amava alguém, mesmo sem planos para o futuro. Parecia que iria chover, mas só relampejou, depois trovejou, depois não choveu. Fiquei esperando a chuva que não veio e, enquanto isso, lembrei que talvez não estivesse com dinheiro suficiente para um lanche, um guaraná e o ônibus de volta para casa, mas tinha meu caderno em mãos, um bloco de notas e uma caneta. Vários textos avulsos escritos através de páginas tortas que se rasgavam aos poucos da espiral, coisas que, no momento, enquanto lia, não reconhecia nem lembrava de ter escrito. Algumas coisas eram realmente engraçadas (ora essa, parabéns para mim!), mas outras eu me perguntava “cara, sei lá onde eu estava com a cabeça”. Talvez se eu tivesse múltiplas personalidades em minha mente elas poderiam discutir, chegar a um consenso e me dar uma opinião, mas só tenho duas. Elas não concordam em nada e não se falam direito. Uma vez tentei ajeitar as coisas, e agora elas também não falam direito comigo. Pelo menos aquela voz chata que vivia me dando ordens parou.

De todos os males, o menor. “Pelo menos estou em paz”, pensei. Pensei errado. Senti alguém chegar falando sozinho, murmurando, depois se aproximar de mim falando. Elas sempre chegam falando, essas tais “pessoas”.

- Boa noite.
- Boa noite.
- O bloco G é aqui?
- Não sei.
- É aqui que fica o curso de informática?
- Não sei.
- Você estuda aqui?
- Não.
- Mas você sabe onde tem outros blocos por aqui?
- Acho que subindo pra lá.

Apontei e ela (a pessoa) olhou pra onde apontei. Então resolvi emitir uma opinião.

- Acho que o bloco G é o último.
- O último? Mas tinham me falado que o bloco G divide as paredes da papelaria com o bloco H. Tem um bloco H depois.
- Então eu não sei. Mas é verdade, H vem depois de G.
- Tá... obrigada, hein...

A frase foi educada, mas o tom foi de aborrecimento. Eu apenas tentei ajudar, ué.

Moral da história: não fale com pessoas. Restrinja-se a falar com objetos inanimados, eles são bons ouvintes. Menos as maçanetas, elas costumam ser muito temperamentais e cheias de manias.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Táxi



Quando saio pra curtir (entenda-se “beber mais que o recomendável”), deixo minha moto em casa e vou de ônibus, já sabendo que o retorno será de madrugada, de táxi. Gosto de andar de táxi batendo papo com o motorista. Alguns são caladões, alguns são maneiros, mas esse da história abaixo foi novidade: era maníaco-depressivo.
Aconteceu há um bom tempo, mas só me lembrei de escrever aqui hoje, talvez por falta de coisa melhor pra contar. Saí do Circo Voador, entrei no táxi e o motorista puxou a conversa:

- E aí, chefe? Muita mulher?
- Ah, sim. Como sempre. Ma hoje eu tava só querendo curtir o show, ouvir boa música, nada demais.
- Que isso, rapaz? Nenhuma que valesse a pena?
- Sei lá, eu apenas não tava interessado, sabe? Tô ainda ressabiado com o fim de um namoro...
- Pô, rapaz, eu sei como é. O nome da minha era Isabela, vou te contar como foi.

Sabe, neste momento eu pensei: “acho que esse cara não entendeu... EU sou o passageiro, EU vou pagar a corrida, então EU é que tenho que contar meus problemas pra ele, e ELE é quem tem que me ouvir, não o contrário!!!”. Mas quando percebi, já era tarde demais. Ele já contava sobre sua tragédia pessoal, e sobre Isabela. Foi algo assim:

- Rapaz, até uns oito meses atrás eu tinha tudo na vida: era sócio de uma concessionária, tinha minha Isabela (a mulher da minha vida), era feliz. Daí, um dia a Isabela chegou pra mim e disse que estava cansada de tudo, que não queria ter mais nada comigo, assim, do nada. Disse que iria pra casa da mãe, em Minas. Ela falou isso numa tarde, no dia seguinte já tinha ido. VAGABUNDA, PIRANHA!!! Fiquei arrasado, faltei ao trabalho a semana inteira, só chorava... Voltei à loja na segunda-feira seguinte, cheguei pra trabalhar e o que eu encontro? A loja fechada! Não tinha mais nenhum carro, os computadores não estavam nas mesas, a porta estava trancada com corrente e cadeado, meu sócio não estava lá. Liguei pra ele (o sócio), e ele me disse que estava rompendo a sociedade, fechando tudo, que iria se destinar a outros negócios, porque dali não tava saindo dinheiro. FILHO DA PUTA, VIADO!!! Em uma semana perdi a mulher da minha vida, meu trabalho, e depois meu sócio sumiu com o dinheiro me era devido...

Neste ponto, ele já contava a história com os olhos marejados, e olhando mais pra minha cara do que pra frente. Não preciso lembrá-los de que era ele quem estava dirigindo o táxi, certo? Isso me preocupou levemente. Fiquei com medo de que se o sócio tivesse fugido com a Isabela, ele arremessasse o táxi contra um muro e me levasse de carona num suicídio meio fora de hora, mas não foi o caso. Ele continuou:

- Olha aí!!! Abre o porta-luvas aí!!! Pode ver ó, só tô aqui trabalhando porque tô à base de tarja preta!!! (ele abriu o porta-luvas, pegou a caixa – com tarja preta – e a sacudiu com veemência, depois jogando-a de novo no porta-luvas, sem fechá-lo) O pior de tudo não foi ficar sem dinheiro, sem trabalho... foi perder a Isabela. Mas um dia eu vou atrás dela em Minas, ela não sabe que agora eu tô de táxi... daí eu me acerto com ela, ela vai ver. Esse meu sócio eu ainda encontro também, ele me paga!!! Desgraçado, filho de uma puta!!!

O táxi zigezagueava pela Linha Vermelha, mais do que se fosse eu mesmo indo a pé, bêbado como estava. Por fim, chegamos na esquina da minha rua, eu olhando pro porta-luvas aberto sobre meu colo, onde se via vitoriosa a caixinha (não vi o nome, o remédio ficou conhecido apenas como “tarja preta”). Com o alívio de quem descobre que o pára-quedas abriu direitinho, paguei ao motorista, desci do táxi, desejei boa sorte e disse “vai com Deus, amigo”, no que ele me retrucou, sorrindo:

- Não conto com Deus pra mais nada não, amigo. Eu só conto comigo, e mesmo assim só depois de tomar o meu remédio!!!

Ok, então. Eu não seria tão otimista quanto ele, mas tudo bem.

Isabela, se você estiver lendo este blog, ouça meu conselho: saia de Minas, faça uma plástica e troque de nome. E cuidado, muito cuidado com o próximo táxi que você pegar...

domingo, 2 de setembro de 2007

Sozinhos



Em algum momento, você já pensou:

“Essas coisas só acontecem comigo.”
“Onde foi que eu errei?”
“Por que eu?”
“Por que não eu?”


Eu sei. Às vezes penso isso. Todos pensam isso de vez em quando. Sabe qual é a conclusão? Que “essas coisas” não acontecem só contigo, nem só comigo. “Essas coisas” acontecem com todo mundo.

Sei que não consola saber que você não está sozinho nesse merderê, mas talvez console saber que você é, de fato, normal, e que isso não é nenhum tipo de maldição. Não sei quanto a você, mas pensar assim me ajuda a seguir em frente quando acho que tudo está dando errado comigo, pois a questão não é que as coisas estejam dando errado “comigo”, ou porque sou “eu” o cara em questão... Elas apenas estão dando errado no momento, e pronto. Depois talvez dê tudo certo, talvez não, sei lá, mas eu sei que isso acontece com todos os milhões de pessoas ao meu redor, e que (quase) ninguém está parando sua vida por causa de “coisas dando errado”. Quase ninguém. Eu acho.

Então até me sinto um alienígena, mas sei que não sou, ou não mais do que muitos por aí, e da próxima vez em que me sentir vítima, saberei que não sou vítima dos outros mais do que de mim mesmo. Não quero me boicotar mais, acho que ninguém deve se boicotar. As infelicidades já vêm a nós independente de nossa vontade, então não acho que seja justo fazermos isso a nós mesmos deliberadamente.

Por fim, se é que posso te dizer algo que valha, não caia nesse papo de que “o inferno são os outros” e ponto final, isso é se eximir demais da responsabilidade que você mesmo(a) tem sobre o que te faz sofrer. Sartre disse isso, e até onde sei, ele fez foi a vida da Simone de Beauvouir um inferno, mas porque ela deixou, porque ela quis. Nós permitimos ou não que os outros nos infernizem. Nosso inferno somos nós – se permitirmos.

Seja juntos, seja sozinhos.