sábado, 6 de outubro de 2007

Carta



Prezado (nome do destinatário),

Como vão as coisas? Tudo bem? Olha, sei que cartas estão meio fora de moda, mas desta vez será assim mesmo. Tem umas coisas que eu quero te falar, e quero falar agora. Te escrevo meio magoado, sim, mas mais perdido do que magoado.

Queria te dizer que andei pensando que deve ser bom, né? Deve ser bom não amar ninguém. Falo do amor romântico, o tal que é tema de filmes, canções e poemas sem fim. Deve ser uma paz, nunca se sentir vazio, nunca sentir como se faltasse parte de si. Nunca se preocupar demais com outro alguém (já que nada neste mundo está sob nosso controle). Não ter medo de ser abandonado, de que alguém se vá. Deve ser.

Imagino, não ter nada mais com o que se importar do que com sua própria saúde, seu próprio sucesso, sua própria felicidade acima de tudo. É possível que haja um sossego, uma paz de espírito em quem é, sinceramente, essencialmente, completamente e acima de tudo, apenas por si. Não, não deixe que te chamem de egoísta. Egocêntrico talvez, mas egoísta, não.

Suas diretrizes são simples e perfeitas: morar sozinho, não pensar em ter filhos, animais de estimação talvez e olhe lá. Absoluto em sua absoluta auto-cumplicidade, você nunca se sente só, pois você tem a você, e àquelas pessoas que inevitavelmente acabam convivendo contigo. Não sente falta de que te liguem, de que te procurem, de que se importem contigo. Por outro lado, sempre tem alguém que te liga, que te procura, que se importa contigo, ainda que você não busque por isso, não é mesmo? Sei lá, só me ocorreu que assim fica até fácil. Ah, me desculpe, não quis tirar seus méritos... Sei que amigos acontecem, colegas também, parentes existem, mas romance... Pra que? Pra arranjar problemas? Aborrecimentos? Sarna pra se coçar? Ficar preso a outra pessoa? Ficar dependente (de certa forma) e ter motivos para sentir falta, saudades? Não, você não, que não ama e não sente falta. Não.

Solidão? E quem se importa? Você não. Auto-suficiente, independente, você tem seu trabalho, sua faculdade, televisão, internet, e à noite, se/quando quiser, sai por aí pra conhecer alguém, beijar alguém, quem sabe transar com alguém, e em algumas horas talvez nem se lembre do nome de seja lá quem for, isso caso se lembre do que fez. Tão bem resolvido assim, provoca uma certa inveja em mim, sabe... Talvez seu mecanicismo seja resultado de certas turbulências emocionais de algum lugar do passado. Você provavelmente já amou e quis alguém (estou cogitando), mas não mais. Não hoje, e talvez jamais. Talvez se lembre de alguma história pessoal, de quando amou muito e deu com os burros n’água. Isso ao menos te valeu como experiência, um passo rumo à cura (?). E hoje, curado, ninguém mais te vitima por meio de seus próprios sentimentos. Você aprendeu o que ainda não aprendi.

Oras, e quem quer amar alguém, afinal? No momento em que ocorre é tudo muuuuuito bonito, mas quando acaba, a dor é tão absurda... Cansamos de ver isso. “Oh”, você diz, “o inferno são os outros”. Nada original, você pode fazer melhor que isso.

Você, na completude de sua solidão benigna, está muitíssimo bem assim e nem deseja mudar. Sua solidão é limpa, prática, honesta, higiênica, estilosa, poupa dinheiro e só traz vantagens. Mas como se sente naquelas situações em que se sabe amado, mas não ama em retorno? Eu gostaria de saber: como se sente quando alguém te ama tanto, mas você não ama nada de volta? Se alguém te ama, “ah, que legal, mas não é problema meu”, e apenas isso? Eu gostaria de saber, só por curiosidade.

Tudo passa? Tudo sempre passará? Eu até te acusaria de uma monstruosa insensibilidade, mas sei que a questão não é essa (e quem sou eu pra avaliar, não é mesmo?). A questão não é “insensibilidade”, e sim sua imensa sensibilidade restrita ao que diz respeito a si mesmo e a mais ninguém, e isso é um dom. Como você é louvável, e digo isso sem ironias.

Então, a você, prezadíssimo umbigo de seu próprio universo infinito particular, deixo minhas invejosas congratulações, pois você não se força a ser assim, este é seu natural. Que benção... Ah, de quanta dor você se poupa! Parabéns. Deve ser bom não amar alguém de verdade, mas não sei como é isso... Sem julgamentos, somos apenas diferentes. No fim das contas, nem espero uma resposta sua, de verdade, mas em todo caso, envio um selo dentro do envelope.

Cuide bem de si, ao menos, por favor.

Com carinho,
(assinatura do remetente)

P.S.: É verdade, eu não sei de nada. Por isso, peço humildemente: prove-me que estou errado.”

2 comentários:

Natália Guerreiro disse...

Eu comecei a ler e fiquei achando que era o blog da Bianca Borges, que sempre defende a solidão. O P.S. me mostrou que era o seu. ;)

Anônimo disse...

Pensei, pensei, pensei... e soh cheguei a uma conclusao: chocante!