terça-feira, 30 de outubro de 2007

Acontece



“Odeio como as pessoas hoje em dia tratam umas às outras como objetos, sem se aprofundarem, sem respeito, vivendo tão superficialmente e desconsiderando o sentimento dos outros, como podem ser assim...”, disse a bela menina-mulher, indignada com o comportamento repetidamente observado em suas tristes experiências, bem como nas noites cariocas. Na sexta-feira seguinte, ela saiu com amigas pra uma boate e ficou com dois caras: um marombado que a puxou pelo braço querendo um beijo, e em outro momento da noite, um tipo modelo, de cabelo com mechas loiras. Ela não sabe o nome de nenhum dos dois. Ela também não sabe, mas acaba de contrair hepatite.

“Ah cara, sinto tanta falta dela... Não entendo por que ela me deixou! Sei que fui muito ciumento e controlador, mas agora sei o que fiz de errado. Se ela voltasse pra mim, tudo seria diferente”, disse Gerôncio, chorando no ombro dos amigos. Sua ex-namorada aceitou voltar com ele duas semanas depois. Três dias depois de voltarem, Gerôncio já a chamava de piranha, vagabunda, a puxando pelo braço na frente dos outros em uma festa. Ele não gostou do jeito como ela dançava com aquela calça apertada em um quadril rebolante. Ele disse que, se ela o abandonar de novo, ele a mata.

“Oh, Astrogildo... Como eu te amo e amo muito, imensamente! Quero ter filhos com você, quero passar minha vida contigo! Vamos viajar no próximo feriado? Aliás, vamos começar a juntar dinheiro para tirarmos férias juntos e viajar pela Europa ano que vem?”, disse a jovem pendurada no pescoço de seu namorado. Isso foi numa quarta-feira. No sábado ela telefonou para Astrogildo, já de manhã cedo, dizendo que não queria vê-lo naquele fim de semana. Antes de desligar, ela pensou bem e decidiu que era melhor mesmo eles terminarem. Astrogildo não sabe até hoje o motivo. Na verdade, o que ele não sabe é que, de fato, não houve um motivo.


Os casos acima são fictícios (?), mas qualquer semelhança com histórias que você conheça não será mera coincidência. Você goste ou não, aceite ou não, as coisas acontecem assim (ou pior, as pessoas acontecem assim). Numa noite é “eu te amo demais como nunca amei ninguém”, no dia seguinte é “eu te gosto, mas acontece que não posso ficar contigo, não dá”. Os “porquês” ninguém nunca saberá, simplesmente porque eles talvez nem existam. Acontece desse jeito porque sim, sacou?

Ainda que você não reconheça algum dos comportamentos acima em si mesmo(a), conhece uma pá de gente que age assim. É comum. É isso aí mesmo. É assim que acontece e pronto....

. . .

Será mesmo?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Nude



Don't get any big ideas
They're not gonna happen...

You paint yourself white
And fill up with noise
But there'll be something missing

Now that you've found it, its gone
Now that you feel it, you don't
You've gone off the rails

So don't get any big ideas
They're not gonna happen...

You'll go to hell for what your dirty mind is thinking


Música: Nude
Artista: Radiohead
Álbum: In Rainbows
Ano: 2007

sábado, 20 de outubro de 2007

Ø



Há muito tempo eu ouvi dizer
Que um homem vinha pra nos mostrar
Que todo mundo é bom
E que ninguém é tão ruim

O tempo voa e agora eu sei
Que só quiseram me enganar
Tem gente boa que me fez sofrer,
Tem gente boa que me faz chorar

Agora eu sei e posso te contar
Não acredite se ouvir também
Que alguém te ama
E sem você não consegue viver

Quem vive mente mesmo sem querer
E fere o outro, não pelo prazer
Mas pela evidente razão...
Sobreviver

Não é possível mais ignorar
Que quem me ama me faz mal demais
Mas ainda é cedo pra saber
Se isso é ruim ou se é muito bom

O tempo voa e agora eu sei
Que só quiseram me enganar
Tem gente boa que me fez sofrer,
Tem gente boa que me faz chorar

Quem vê seu rosto só pensa no bem
Que você pode fazer a quem
Tiver a chance
De te possuir

Mal sabe ele como é triste ter
Amor demais sem nada receber
Que possa compensar
O que isso traz de dor...

Tudo que isso me traz de dor...
O que isso traz de dor.

Música: Agora Eu Sei
Artista: Zero (participação de Paulo Ricardo)
Álbum: Passos No Escuro
Ano: 1985

domingo, 14 de outubro de 2007

Grito



"Não é o grito
a medida do abismo?
Por isso eu grito
sempre que cismo
sobre tua vida
tão louca e errada...
- Que grito inútil!
- Que imenso nada!"


O poema acima chama-se A Medida Do Abismo, de Vinícius de Moraes. No lugar dele, eu acho que não faria a incisiva condenação sobre o jeito de viver de seja lá a quem ele estava dirigindo este poema. Cada um sabe de si, penso eu, e acho que já deixei claro este meu posicionamento aqui em outros textos. Desde que não se ferre com a vida dos outros gratuitamente, é cada um na sua, do jeito que quiser, sem certos ou errados. Mas sei, ao mesmo tempo, que sempre acabamos fazendo nosso próprio juízo sobre a vida alheia. Então tudo bem, tenhamos nossas opiniões e façamos nossos próprios juízos, mas condenar, não.

Mas grite se quiser, também. Escolha: um longo AAAAAAAHHHHH, um palavrão, um pedido, o nome de alguém...

Você pode gritar, mas cuidado, pois ainda que um grito possa ser ouvido, ele pode não ser entendido, e isso é muuuuuito comum de acontecer...

"Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira."

Acho que é meio por aí. Muito bonito, poético e coisa e tal. Você pode gritar e acordar todo mundo, mas não creio que vão querer te dar ouvidos depois. Ao menos eu, se fosse acordado com um grito, acordaria no susto, e ficaria puto da vida. Pensando nisso, acho que sei o melhor lugar para se gritar: à beira do mar (o mar, sempre ele). Vamos escolher uma praia, uma tarde, um pôr do sol. Vamos ficar descalços e chegar na beirinha do mar, molhar os pés, respirar bem fundo e então...

... então...

...


... GRITAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRRRRRRR!!!!!!!!!!!

sábado, 6 de outubro de 2007

Carta



Prezado (nome do destinatário),

Como vão as coisas? Tudo bem? Olha, sei que cartas estão meio fora de moda, mas desta vez será assim mesmo. Tem umas coisas que eu quero te falar, e quero falar agora. Te escrevo meio magoado, sim, mas mais perdido do que magoado.

Queria te dizer que andei pensando que deve ser bom, né? Deve ser bom não amar ninguém. Falo do amor romântico, o tal que é tema de filmes, canções e poemas sem fim. Deve ser uma paz, nunca se sentir vazio, nunca sentir como se faltasse parte de si. Nunca se preocupar demais com outro alguém (já que nada neste mundo está sob nosso controle). Não ter medo de ser abandonado, de que alguém se vá. Deve ser.

Imagino, não ter nada mais com o que se importar do que com sua própria saúde, seu próprio sucesso, sua própria felicidade acima de tudo. É possível que haja um sossego, uma paz de espírito em quem é, sinceramente, essencialmente, completamente e acima de tudo, apenas por si. Não, não deixe que te chamem de egoísta. Egocêntrico talvez, mas egoísta, não.

Suas diretrizes são simples e perfeitas: morar sozinho, não pensar em ter filhos, animais de estimação talvez e olhe lá. Absoluto em sua absoluta auto-cumplicidade, você nunca se sente só, pois você tem a você, e àquelas pessoas que inevitavelmente acabam convivendo contigo. Não sente falta de que te liguem, de que te procurem, de que se importem contigo. Por outro lado, sempre tem alguém que te liga, que te procura, que se importa contigo, ainda que você não busque por isso, não é mesmo? Sei lá, só me ocorreu que assim fica até fácil. Ah, me desculpe, não quis tirar seus méritos... Sei que amigos acontecem, colegas também, parentes existem, mas romance... Pra que? Pra arranjar problemas? Aborrecimentos? Sarna pra se coçar? Ficar preso a outra pessoa? Ficar dependente (de certa forma) e ter motivos para sentir falta, saudades? Não, você não, que não ama e não sente falta. Não.

Solidão? E quem se importa? Você não. Auto-suficiente, independente, você tem seu trabalho, sua faculdade, televisão, internet, e à noite, se/quando quiser, sai por aí pra conhecer alguém, beijar alguém, quem sabe transar com alguém, e em algumas horas talvez nem se lembre do nome de seja lá quem for, isso caso se lembre do que fez. Tão bem resolvido assim, provoca uma certa inveja em mim, sabe... Talvez seu mecanicismo seja resultado de certas turbulências emocionais de algum lugar do passado. Você provavelmente já amou e quis alguém (estou cogitando), mas não mais. Não hoje, e talvez jamais. Talvez se lembre de alguma história pessoal, de quando amou muito e deu com os burros n’água. Isso ao menos te valeu como experiência, um passo rumo à cura (?). E hoje, curado, ninguém mais te vitima por meio de seus próprios sentimentos. Você aprendeu o que ainda não aprendi.

Oras, e quem quer amar alguém, afinal? No momento em que ocorre é tudo muuuuuito bonito, mas quando acaba, a dor é tão absurda... Cansamos de ver isso. “Oh”, você diz, “o inferno são os outros”. Nada original, você pode fazer melhor que isso.

Você, na completude de sua solidão benigna, está muitíssimo bem assim e nem deseja mudar. Sua solidão é limpa, prática, honesta, higiênica, estilosa, poupa dinheiro e só traz vantagens. Mas como se sente naquelas situações em que se sabe amado, mas não ama em retorno? Eu gostaria de saber: como se sente quando alguém te ama tanto, mas você não ama nada de volta? Se alguém te ama, “ah, que legal, mas não é problema meu”, e apenas isso? Eu gostaria de saber, só por curiosidade.

Tudo passa? Tudo sempre passará? Eu até te acusaria de uma monstruosa insensibilidade, mas sei que a questão não é essa (e quem sou eu pra avaliar, não é mesmo?). A questão não é “insensibilidade”, e sim sua imensa sensibilidade restrita ao que diz respeito a si mesmo e a mais ninguém, e isso é um dom. Como você é louvável, e digo isso sem ironias.

Então, a você, prezadíssimo umbigo de seu próprio universo infinito particular, deixo minhas invejosas congratulações, pois você não se força a ser assim, este é seu natural. Que benção... Ah, de quanta dor você se poupa! Parabéns. Deve ser bom não amar alguém de verdade, mas não sei como é isso... Sem julgamentos, somos apenas diferentes. No fim das contas, nem espero uma resposta sua, de verdade, mas em todo caso, envio um selo dentro do envelope.

Cuide bem de si, ao menos, por favor.

Com carinho,
(assinatura do remetente)

P.S.: É verdade, eu não sei de nada. Por isso, peço humildemente: prove-me que estou errado.”