terça-feira, 14 de setembro de 2010

Exatamente


Linda e cacheada e cheia de vida, ainda tantos anos pela frente, a menininha costumava caminhar pelas ruas... eu disse caminhar? Menininhas não caminham. Menininhas saltitam, dançam, quicam, dão um passo pra frente, dois pro lado e um pra trás, voltam, sacodem seus rabos-de-cavalo de um lado pro outro, geralmente cantarolando (uma canção que exista ou não). Mas bem, então... como eu dizia: lá vinha ela em suas coisices, cheia de euisso-euaquilo, sonhando com flores e príncipes e cavalinhos lindos, mãozinha esquerda dada com o pai, lá no alto. O amado pai. Tipo bonachão cheio de sorrisos para o público, fachada familiar que revezava com o bruto cenho franzido do oficial no quartel, o tipo de homem que fazia outros homens se mijarem nas calças só de perguntar "qual é a graça?", ainda que toda a graça do mundo estivesse envolvida no assunto em pauta.

E assim eram pai e filha, filha e pai. Assim era, olhando o pai com olhos faiscantes, o pai-protetor, o pai-sabe-tudo, o pai-deus, o pai-mais, o pai-melhor-do-mundo, que à noite se deitava pra ouvir a rádio Maré Mansa, punha sua filhinha sobre sua imensa barriga inchada e fazia cafuné até que ela dormisse, a princesa do papai.

E ela cresceu, e cresceu, e estudou e aprendeu e começou a trabalhar e tornou-se uma mulher adulta linda que dava torcicolos na gente pelas ruas e os homens babavam e falavam e chamavam e desejavam e queriam conhecer e queriam pegar e queriam tudo e ela sorria, às vezes mesmo ria, mas seu pai lhe dizia:

- Case-se com um homem que ganhe mais do que você ou que no mínimo ganhe um salário igual ao seu.

Mas a vida segue e segue acontecendo e acontece de repente e de repente quando ela via já se via apaixonada por algum alguém cheio de encantos próprios e peculiares que lhe deixavam atraída, seduzida, encantada mesmo. Os dias se passavam, semanas e meses, mas no Brasil não é difícil cruzar nossos caminhos com quem ganha o suficiente pra viver ou que se endivida pra fazer da vida algo mais vivível, e quando o dinheiro apertava e tudo mais ficava limitado, ela ouvia seu pai repetindo:

- Case-se com um homem que ganhe mais do que você ou que no mínimo ganhe um salário igual ao seu.

E assim terminava mais um relacionamento para que pudéssemos continuar a história. Daí vai que ela só fazia estudar, só fazia trabalhar, só fazia se aprimorar como mulher e como profissional em sua área. Saía, conhecia novos rostos, novos homens, se interessava, se apaixonava, torcia para que dessa vez fosse... mas nunca era. Duros, incompetentes, não tinham ganância, não tinham ambição, não tinham verba nem patrocínio, eram dispensados tão rápido quanto surgiam, pois maior que qualquer paixão que ela sentisse era a reverberação das palavras de seu pai em sua mente, em seus ouvidos, em cada célula de seu corpo, aquele ensinamento fatal, aquela doutrina, aquela lei.

Em grupo com as amigas, caíam de sua boca frases como "não tem homem que preste", "não tem homem no mercado", "tá difícil", "quando você vai ver, é viado", "não sei qual é o problema com esses homens de hoje em dia" e coisas do tipo, até que ela conheceu Waldemar, amigo do namorado da amiga de uma prima da amiga dela. Waldemar, sem filhos, já divorciado há dois anos, queria voltar ao time dos casados nas partidas de futebol society das quartas-feiras à noite em Olaria. Homem simples, truculento, sem talento para as palavras ou para amenidades, mas com casa própria, carro próprio, escritório próprio, investimentos e uma renda que variava entre os dez e treze mil reais mensais.

Ela não gostou de cara do Waldemar. Ela nem gostou da cara do Waldemar. Ela não gostava dele o bastante, mas se interessou pelo interesse dele por ela e pela perspectiva. As noitadas na boate passaram a ser dias no clube, que passaram a ser fins de semana juntos, que passaram a ser viagens à serra, que depois já se estendiam a viagens à região dos lagos, e por fim já estavam desfrutando de férias pela Europa, Ásia e Oceania. Depois de dois anos de relacionamento, se casaram em um navio. Hoje (lá se vão mais três anos desde o casamento), ela viaja para onde quer, veste as roupas que deseja, aproveita o melhor daquilo que pode, e tudo isso porque simplesmente soube subjugar os apelos de seu coração nas horas apropriadas e ouvir, acima de tudo, os sábios conselhos de seu pai, que já frio e amargo por tudo que a vida lhe havia infligido, mostrou para sua princesa DO QUE os sonhos são realmente feitos.

Moral da história? Ela e Waldemar viveram felizes para sempre, exatamente assim.

Father knows best, baby.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Resolver


Hoje começo uma jornada na tentativa de equilibrar o meu carma (ou karma, ou seja lá como se escreve), exista isso ou não. Existirá ao menos um conceito mínimo pessoal de carma dentro da minha cabeça de agora em diante, e vou tentar fazer as pazes comigo mesmo (vou tentar fazer deste meu último post pessoal em sequência, nas próximas vou inventar mais contos para contar). Preciso resolver certas coisas.

Não ando bem, nem de saúde nem de nada, nos últimos tempos. Prefiro não entrar em detalhes sobre minha saúde aqui, mas digamos que estou com um problema estranho que simplesmente não tem diagnóstico, e por não ter diagnóstico não tem tratamento, e por não ter tratamento, em princípio, não tem cura. Então o único tratamento que estou fazendo é torcer para que eu melhore. Se quiserem torcer junto, agradeço.

Daí que esse problema de saúde me abalou em muitos níveis, especialmente no emocional, e isso foi um dos pontos fundamentais para o fim do meu último relacionamento, que sem dúvida foi o relacionamento mais completo que já tive em minha vida, pois vinha com namorada, amor, filhos, animal de estimação e tudo mais que vocês consigam lembrar agora para constituir uma família. Praticamente tudo estava dando certo, mas então de repente eu pifei, escangalhei, dei defeito, quebrei, chamem como quiserem... Minha saúde me faltou e junto levou minha calma, minha paciência, meu bom senso, minhas amabilidades... Passei a sentir apenas medo, raiva, nervosismo, e ignorar tudo e todos ao meu redor, afinal, apenas a doença misteriosa importava.

E nisso fiz sofrerem as pessoas mais próximas a mim, aquelas que estavam me oferecendo a chance de felicidade, de ter a família com a qual sempre sonhei. Não vi saída, então abandonei a todos quando tive a chance diante de mim. Eu estava sentindo dor, eu estava provocando dor, isso não podia ser saudável pra ninguém. Eu queria ficar sozinho, calado, no meu canto, remoer minha condição, sempre fui assim, mergulho em mim mesmo quando as coisas não vão bem, sumo do mundo, sumo para todos. Grandes merdas eu e meus isolamentos!

Eis que hoje fui levado a tomar uma atitude para resolver meus próprios conflitos e marquei um encontro importante, um encontro esclarecedor, no qual contei à pessoa mais interessada o que de fato está rolando comigo e por que as coisas aconteceram como aconteceram, por que eu agi como agi, por que fiz o que fiz. Sabem o resultado? Eu fui compreendido. Eu fui praticamente perdoado. Mas, acima de tudo, pela primeira vez em toda a minha vida, eu me senti amado de verdade por uma mulher que não fosse minha mãe ou minha avó, por uma mulher que decidiu me amar porque quis, e que mesmo passando por tanta dor e tantas dúvidas neste momento, ainda assim me demonstrou que o sentimento existiu.

A tendência, creio eu, é de que todos os ânimos se apaziguem de agora em diante, que as tristezas já não sejam mais tão sofridas assim, e que as vidas se resolvam para o melhor. O mais incrível, no entanto, é que voltei pra casa pensando em tudo que havia acontecido no encontro, então cheguei, fui cuidar da minha vida, cumpri minha rotina de sempre, e até agora (já é 1:20 da madrugada), pela primeira vez em 3 meses, eu não tive os sintomas da doença misteriosa que vem me corroendo diariamente. Não quero me deixar levar pelo momento, nem sou mesmo mais de me empolgar por expectativas, mas há muito tempo eu não tinha minhas esperanças de cura renovadas bem como a perspectiva de que esse mal que me aflige vá embora da mesma forma que chegou: do nada.

Isso me fez pensar em carma sim, em equilibrar as coisas que fazemos na vida, em escolher tomar as atitudes que achamos certas pela razão e/ou pelo coração. Se meu movimento de hoje foi um passo certo e o resultado foi eu ganhar o descanso do meu corpo e a paz da minha cabeça ao menos por uma noite, então torço para que eu saiba dar os próximos passos certos que me levem a não ter mais que viver meus dias preocupado, pensando se há maiores ou menores chances de aquele ser o último. Aliás, chances eram tudo que eu queria, mas sei que já as tive demais, já as tive todas, primeiras e segundas. Desejar uma terceira chance seria desejar o que não sei se mereço ter, e como já foi dito há milênios por alguém que sacou mais da vida do que eu um dia sacarei, "toda dor vem do desejo". Melhor manter minha bola baixa.

Como já disseram, também, em duas ou mais canções, "você pode não conseguir sempre o que você quer, mas pode conseguir aquilo de que precisa". Tomara.