terça-feira, 13 de abril de 2010

Dindinha


Para mim, hoje o mundo parece um pouco menos doce, menos carinhoso, menos acolhedor, e muito mais feio, muito mais desequilibrado, muito amargo...

Ontem, dia 12 de abril de 2010, por volta das 23hs, faleceu minha madrinha (minha e da minha mãe). Faleceu a Dindinha Amélia. Foi embora deste planeta a mulher mais bondosa, amável e incansável que já conheci, igualada (ou, talvez, quem sabe, superada) apenas por sua mãe, Dona Almerinda, a qual conheço apenas das histórias contadas pela minha mãe.

Nos anos 50, no centro da cidade do Rio de Janeiro, no Bairro de Fátima, havia um grupo de lavadeiras que trabalhava e trabalhava, lavando e batendo e torcendo as roupas do mundo inteiro nas bordas de pedra da fonte de uma vila cheia de portugueses. Uma delas era a Dona Almerinda, senhora analfabeta e pobre, pobre ao ponto de, com o mesmo mero quilo de arroz, cozido propositalmente ao ponto de virar papa, fazer disso a sua refeição, o mingau das crianças, e ao apertar a massa dentro de um pano de prato torcido, extrair o sumo que seria colocado na mamadeira do bebê porque não havia dinheiro para o leite. Dona Almerinda era isso e coração, e sua vida cruza com a da minha-mãe-ainda-criança pelo fato de sua filha, Amélia, ser madrinha da minha mãe. Dona Almerinda então passa a ser a Vó Almerinda, avó de consideração, responsável por salvar a minha mãe de um destino mais trágico. Consequentemente, responsável por me salvar também, até onde eu entendo.

Durante todos os anos que podemos chamar de infância, adolescência e início de vida adulta da minha mãe, Vó Almerinda e Dindinha Amélia seriam as duas mulheres responsáveis em inúmeros momentos pelo mínimo de vida normal e pelo máximo de amor e carinho que ela teria. Dizer que elas foram mais família para ela do que nossa própria família, temo, não seria exagero.

Pulando alguns anos, eu entro na história. Quando você escolhe os padrinhos para o seu filho, você tem que pensar "a quem eu confiaria a vida do meu filho caso eu um dia lhe faltasse?". Foi assim que minha mãe me concedeu os seus próprios padrinhos: Dindinha Amélia e seu marido, Dindinho Antônio. E se tinha alguém que merecia Amélia na vida, era Antônio. Se minha madrinha foi uma mulher fenomenal, meu padrinho não fica sequer um metro atrás. Dindinho Antônio ainda está vivo, mesmo que muito doente e já sem muito senso da realidade, distante daquele que habita minhas memórias tão bonachão, de olhos espremidos, bigode fino e sorriso largo... Ele agora vai morar na casa em frente àquela em que passou a vida com Amélia em Campo Grande. Vai morar com seu filho, nora e neta para cuidarem dele, pois até o penúltimo dia de vida, quem também estava ali cuidando do meu padrinho, mesmo sob os penosos enjoos da quimioterapia, era a Dindinha Amélia.

Raras vezes encontrei tanto amor como encontrei em meus padrinhos, e seus sorrisos e seus carinhos são lembranças de infância que carregarei para sempre. É uma pena que minhas memórias sejam incompletas e até enganosas em detalhes menores, por isso só pude contar aqui uma história muito breve e superficial. Ainda assim, eu precisava prestar alguma homenagem à ela, minha Dindinha Amélia, a quem eu vi, abracei e beijei pela última vez na tarde de um domingo, 14 de fevereiro de 2010.

Talvez vocês nunca cheguem a fazer ideia do amor que essa mulher emanava mesmo quieta, parada, mas eu posso garantir. O mundo não é só podridão. Ainda existem pessoas boas e abnegadas, pessoas que encarnam e vivem o bem em sua plenitude, e minha madrinha era assim. Bastava olhar pro semblante dela, bastava seu abraço, seu afago ou sua palavra e você tinha certeza disso, imediatamente. Talvez vocês não tenham amado a Dindinha Amélia simplesmente por não terem tido a chance de conhecê-la, mas se servir de um mínimo de acalanto para seus corações constantemente feridos pelas desesperanças desses dias tristes que vivemos, saibam que a Dindinha Amélia amou um pouco todos vocês, mesmo sem conhecê-los.

Se existe mesmo um Deus... se este Deus é justo, a senhora foi direto pro paraíso. Descanse em paz, querida e única, eterna Dindinha Amélia.

6 comentários:

Giselle Fleury disse...

Sério, Marcos, foi lindo. Uma homenagem emrecida e bem feita. Sinto muito pela sua dindinha e por pessoas como ela se irem desse mundo. A gente precisa de mais exemplos assim.

Anônimo disse...

O seu texto faz o transporte do amor, como se a ausência física da Dindinha, fosse mesmo nossa. Mas a ausência é só fisíca, acredite!

A morte não divorcia, aproxima.

Obrigada pelo texto, é lindíssimo.

Marcos AM Ramos disse...

Eu que agradeço pelos comentários e pelo carinho, meninas. De coração.

Miguel Afonso disse...

Minha avó me criou. Era uma mulher forte, que criou nove filhos e ajudou a criar alguns netos, sendo que a mim me levou mesmo para morar com ela até ao início da minha adolescência. Fez dia 14 de Abril 91 anos, está um pouco esquecida e distante do que foi, mas eu devo-lhe muito mais do que um dia poderia pagar.
Entendo perfeitamente este texto, a vida dá e tira, mas resta a consolação de saber que Deus, em quem acredito, gosta dos homens o suficiente para lhes emprestar anjos desses... pena é que depois os queira de volta...
Um abraço

Flavia disse...

é por esse Amor com A maiusculo, o amor que a tua Dindinha amou e te ensinou a amar, amor que é pra sempre de vocês, é por esse amor personificado que você soube homenagear tão bem, que eu acredito nos seres humanos.
Sinto muito pela tua perda.
Besitos

o n z e p a l a v r a s disse...

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