domingo, 10 de outubro de 2010

Mário


Estive ausente do blog. Estive ausente de mim mesmo até. Ainda estou. Venho aqui hoje buscando ao menos o mínimo de palavras certas para este momento.

Perdi um dos meus melhores amigos... Mário, meu amigo Mário. Mário César, meu amigo desde 1997, quando o usei como ponto de referência na fila de matrícula da Faculdade de Letras, no Fundão. Mário César, meu amigo, meu irmão, tão parecidos e tão opostos, nós dois. Compartilhávamos a paixão pela música e pelas mulheres, o gosto por filmes e séries de TV, a admiração pelos felinos e pela boa literatura. Dividíamos um apê de dois quartos no bairro da Glória, Rio de Janeiro, onde moramos por um ano e um mês, de agosto de 2009 até setembro de 2010.

Mário César faleceu às 7:30 da manhã de um sábado chuvoso, 18 de setembro de 2010, aos 38 anos.

Não me lembro exatamente da última vez em que o vi com vida. Acho que foi na noite de quarta ou quinta, eu estava na sala, navegando pela internet, enquanto ele e a namorada saíam para ir ao cinema, ou pra casa de alguns amigos, sei lá. Na sexta, véspera do ocorrido, eu tinha ido passar a noite na casa da minha namorada em Niterói. Passei a noite discutindo ideias, planos para os possíveis futuros, fiquei acordado até quase 4:00 da madrugada pensando em que rumos tomar na minha vida com ela.

Às 8:00 da manhã meu celular toca. Stella me ligando. Stella diz "Marcos... Aconteceu uma coisa muito ruim. Aconteceu uma coisa ruim com o Mário. O Mário, ele morreu. Estamos todos aqui na sua casa te esperando, vem logo pra cá."

Não me lembro agora qual foi meu primeiro pensamento. Cogitei que pudesse ser um trote daqueles da pior qualidade, mas não consegui manter esse pensamento. Seria cruel demais, e a Stella não faria isso. Me arrumei rápido e tremendo, corri pra pegar um táxi e liguei pra minha mãe, pedindo que ela fosse o mais rápido possível pra minha casa. Quando cheguei lá os paramédicos já tinham ido. Sobraram os policiais e os amigos que tinham passado aquela última madrugada com ele, vendo filmes e fazendo traduções de não-sei-quem até as 2:00 da madrugada.

"O que aconteceu? Como foi?"

A namorada dormia ao seu lado quando acordou assustada com os barulhos e sobressaltos de Mário. Ele se contorcia e tentava puxar o ar, ela disse. Sem conseguir falar com ele, ela chamou por socorro e ligou para a ambulância, para os amigos com quem tinham passado a madrugada, fez o que pôde. Os paramédicos chegaram, o retiraram da cama e colocaram no chão da sala. Tentaram ressuscitá-lo. Não conseguiram. Mário teve um ataque cardíaco, fulminante.

Quando entrei no apartamento, encontrei meu amigo no chão da sala, camisa levantada, esparadrapos nos braços, boca aberta, olhos fechados como se dormisse. Pus a palma da mão esquerda sobre seu tórax e a direita sobre sua testa. Nada. Não havia mais ninguém ali. Mário foi embora.

Mário foi embora desse mundo sem publicar seu livro, sem lançar seu disco, sem ter desfrutado da fama e do sucesso que merecia por seus talentos de cantor, compositor, guitarrista e escritor... foi embora sem ter tido uma companheira de verdade a seu lado, sem ter tido filhos... Não viajou para o exterior, não aprendeu a dirigir, não sabia nadar. Mário não comia muita coisa além de pão com queijo e litros e mais litros de suco de laranja ou leite de soja. Não bebia cerveja nem cachaça, não gostava de nada alcoólico. Não fumava. Comia carne vermelha raramente e nos propagandeava as qualidades do hamburguer de soja.

Mário não trancava a porta da frente, nem a da área de serviço.
Mário não apagava as luzes da entrada da casa.
Mário não limpava as caixas de areia dos gatos.
Mário não colocava ração nos potes dos gatos.
Mário não lembrava o dia do aluguel.
Mário tinha uma infinita tolerância à desordem.
Mário era caos.
Mário era artista na essência, um amante da arte.
Mário era um dos sujeitos mais talentosos que já conheci.
Mário era o Mário.
Mário era o meu amigo...

Mário é o amigo em quem tenho pensado todos os dias desde aquele fatídico sábado. Mário foi meu amigo por 13 anos e será meu amigo pra sempre.

A morte do meu amigo fez minha vida mudar em menos de 24hs. Literalmente. Do sábado de manhã até o sábado de noite: recebi uma das notícias mais tristes da minha vida, tive que transmitir esta notícia à família dele, tive que providenciar a retirada do corpo de dentro de casa, providenciar o funeral, providenciar todas as documentações necessárias. Pedi socorro à minha mãe e aos meus amigos. Planos que eu estava cogitando colocar em prática dentro de um ano e meio (ou mais) tiveram que se concretizar em dias. Minha vida ainda está dando cambalhotas. Ainda não estou sendo capaz de pensar sobre minhas decisões, apenas estou decidindo. É preciso seguir em frente e bifurcações não significam mais nada pra mim, eu apenas sigo. Depois eu olho pra trás e penso. Agora não dá.

Mário era o autor do blog intitulado BLOG-IS-DEAD, para quem tiver curiosidade.

Vou parar por aqui. Fiquem em paz, obrigado por continuarem visitando meu blog e nunca duvidem de que suas vidas podem mudar em um único dia, em um punhado de horas, ou mais especificamente na manhã de um sábado chuvoso em setembro.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Exatamente


Linda e cacheada e cheia de vida, ainda tantos anos pela frente, a menininha costumava caminhar pelas ruas... eu disse caminhar? Menininhas não caminham. Menininhas saltitam, dançam, quicam, dão um passo pra frente, dois pro lado e um pra trás, voltam, sacodem seus rabos-de-cavalo de um lado pro outro, geralmente cantarolando (uma canção que exista ou não). Mas bem, então... como eu dizia: lá vinha ela em suas coisices, cheia de euisso-euaquilo, sonhando com flores e príncipes e cavalinhos lindos, mãozinha esquerda dada com o pai, lá no alto. O amado pai. Tipo bonachão cheio de sorrisos para o público, fachada familiar que revezava com o bruto cenho franzido do oficial no quartel, o tipo de homem que fazia outros homens se mijarem nas calças só de perguntar "qual é a graça?", ainda que toda a graça do mundo estivesse envolvida no assunto em pauta.

E assim eram pai e filha, filha e pai. Assim era, olhando o pai com olhos faiscantes, o pai-protetor, o pai-sabe-tudo, o pai-deus, o pai-mais, o pai-melhor-do-mundo, que à noite se deitava pra ouvir a rádio Maré Mansa, punha sua filhinha sobre sua imensa barriga inchada e fazia cafuné até que ela dormisse, a princesa do papai.

E ela cresceu, e cresceu, e estudou e aprendeu e começou a trabalhar e tornou-se uma mulher adulta linda que dava torcicolos na gente pelas ruas e os homens babavam e falavam e chamavam e desejavam e queriam conhecer e queriam pegar e queriam tudo e ela sorria, às vezes mesmo ria, mas seu pai lhe dizia:

- Case-se com um homem que ganhe mais do que você ou que no mínimo ganhe um salário igual ao seu.

Mas a vida segue e segue acontecendo e acontece de repente e de repente quando ela via já se via apaixonada por algum alguém cheio de encantos próprios e peculiares que lhe deixavam atraída, seduzida, encantada mesmo. Os dias se passavam, semanas e meses, mas no Brasil não é difícil cruzar nossos caminhos com quem ganha o suficiente pra viver ou que se endivida pra fazer da vida algo mais vivível, e quando o dinheiro apertava e tudo mais ficava limitado, ela ouvia seu pai repetindo:

- Case-se com um homem que ganhe mais do que você ou que no mínimo ganhe um salário igual ao seu.

E assim terminava mais um relacionamento para que pudéssemos continuar a história. Daí vai que ela só fazia estudar, só fazia trabalhar, só fazia se aprimorar como mulher e como profissional em sua área. Saía, conhecia novos rostos, novos homens, se interessava, se apaixonava, torcia para que dessa vez fosse... mas nunca era. Duros, incompetentes, não tinham ganância, não tinham ambição, não tinham verba nem patrocínio, eram dispensados tão rápido quanto surgiam, pois maior que qualquer paixão que ela sentisse era a reverberação das palavras de seu pai em sua mente, em seus ouvidos, em cada célula de seu corpo, aquele ensinamento fatal, aquela doutrina, aquela lei.

Em grupo com as amigas, caíam de sua boca frases como "não tem homem que preste", "não tem homem no mercado", "tá difícil", "quando você vai ver, é viado", "não sei qual é o problema com esses homens de hoje em dia" e coisas do tipo, até que ela conheceu Waldemar, amigo do namorado da amiga de uma prima da amiga dela. Waldemar, sem filhos, já divorciado há dois anos, queria voltar ao time dos casados nas partidas de futebol society das quartas-feiras à noite em Olaria. Homem simples, truculento, sem talento para as palavras ou para amenidades, mas com casa própria, carro próprio, escritório próprio, investimentos e uma renda que variava entre os dez e treze mil reais mensais.

Ela não gostou de cara do Waldemar. Ela nem gostou da cara do Waldemar. Ela não gostava dele o bastante, mas se interessou pelo interesse dele por ela e pela perspectiva. As noitadas na boate passaram a ser dias no clube, que passaram a ser fins de semana juntos, que passaram a ser viagens à serra, que depois já se estendiam a viagens à região dos lagos, e por fim já estavam desfrutando de férias pela Europa, Ásia e Oceania. Depois de dois anos de relacionamento, se casaram em um navio. Hoje (lá se vão mais três anos desde o casamento), ela viaja para onde quer, veste as roupas que deseja, aproveita o melhor daquilo que pode, e tudo isso porque simplesmente soube subjugar os apelos de seu coração nas horas apropriadas e ouvir, acima de tudo, os sábios conselhos de seu pai, que já frio e amargo por tudo que a vida lhe havia infligido, mostrou para sua princesa DO QUE os sonhos são realmente feitos.

Moral da história? Ela e Waldemar viveram felizes para sempre, exatamente assim.

Father knows best, baby.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Resolver


Hoje começo uma jornada na tentativa de equilibrar o meu carma (ou karma, ou seja lá como se escreve), exista isso ou não. Existirá ao menos um conceito mínimo pessoal de carma dentro da minha cabeça de agora em diante, e vou tentar fazer as pazes comigo mesmo (vou tentar fazer deste meu último post pessoal em sequência, nas próximas vou inventar mais contos para contar). Preciso resolver certas coisas.

Não ando bem, nem de saúde nem de nada, nos últimos tempos. Prefiro não entrar em detalhes sobre minha saúde aqui, mas digamos que estou com um problema estranho que simplesmente não tem diagnóstico, e por não ter diagnóstico não tem tratamento, e por não ter tratamento, em princípio, não tem cura. Então o único tratamento que estou fazendo é torcer para que eu melhore. Se quiserem torcer junto, agradeço.

Daí que esse problema de saúde me abalou em muitos níveis, especialmente no emocional, e isso foi um dos pontos fundamentais para o fim do meu último relacionamento, que sem dúvida foi o relacionamento mais completo que já tive em minha vida, pois vinha com namorada, amor, filhos, animal de estimação e tudo mais que vocês consigam lembrar agora para constituir uma família. Praticamente tudo estava dando certo, mas então de repente eu pifei, escangalhei, dei defeito, quebrei, chamem como quiserem... Minha saúde me faltou e junto levou minha calma, minha paciência, meu bom senso, minhas amabilidades... Passei a sentir apenas medo, raiva, nervosismo, e ignorar tudo e todos ao meu redor, afinal, apenas a doença misteriosa importava.

E nisso fiz sofrerem as pessoas mais próximas a mim, aquelas que estavam me oferecendo a chance de felicidade, de ter a família com a qual sempre sonhei. Não vi saída, então abandonei a todos quando tive a chance diante de mim. Eu estava sentindo dor, eu estava provocando dor, isso não podia ser saudável pra ninguém. Eu queria ficar sozinho, calado, no meu canto, remoer minha condição, sempre fui assim, mergulho em mim mesmo quando as coisas não vão bem, sumo do mundo, sumo para todos. Grandes merdas eu e meus isolamentos!

Eis que hoje fui levado a tomar uma atitude para resolver meus próprios conflitos e marquei um encontro importante, um encontro esclarecedor, no qual contei à pessoa mais interessada o que de fato está rolando comigo e por que as coisas aconteceram como aconteceram, por que eu agi como agi, por que fiz o que fiz. Sabem o resultado? Eu fui compreendido. Eu fui praticamente perdoado. Mas, acima de tudo, pela primeira vez em toda a minha vida, eu me senti amado de verdade por uma mulher que não fosse minha mãe ou minha avó, por uma mulher que decidiu me amar porque quis, e que mesmo passando por tanta dor e tantas dúvidas neste momento, ainda assim me demonstrou que o sentimento existiu.

A tendência, creio eu, é de que todos os ânimos se apaziguem de agora em diante, que as tristezas já não sejam mais tão sofridas assim, e que as vidas se resolvam para o melhor. O mais incrível, no entanto, é que voltei pra casa pensando em tudo que havia acontecido no encontro, então cheguei, fui cuidar da minha vida, cumpri minha rotina de sempre, e até agora (já é 1:20 da madrugada), pela primeira vez em 3 meses, eu não tive os sintomas da doença misteriosa que vem me corroendo diariamente. Não quero me deixar levar pelo momento, nem sou mesmo mais de me empolgar por expectativas, mas há muito tempo eu não tinha minhas esperanças de cura renovadas bem como a perspectiva de que esse mal que me aflige vá embora da mesma forma que chegou: do nada.

Isso me fez pensar em carma sim, em equilibrar as coisas que fazemos na vida, em escolher tomar as atitudes que achamos certas pela razão e/ou pelo coração. Se meu movimento de hoje foi um passo certo e o resultado foi eu ganhar o descanso do meu corpo e a paz da minha cabeça ao menos por uma noite, então torço para que eu saiba dar os próximos passos certos que me levem a não ter mais que viver meus dias preocupado, pensando se há maiores ou menores chances de aquele ser o último. Aliás, chances eram tudo que eu queria, mas sei que já as tive demais, já as tive todas, primeiras e segundas. Desejar uma terceira chance seria desejar o que não sei se mereço ter, e como já foi dito há milênios por alguém que sacou mais da vida do que eu um dia sacarei, "toda dor vem do desejo". Melhor manter minha bola baixa.

Como já disseram, também, em duas ou mais canções, "você pode não conseguir sempre o que você quer, mas pode conseguir aquilo de que precisa". Tomara.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Limerância


Preciso contar antes que eu esqueça.

Voltemos um pouco à Faculdade de Letras na Ilha do Fundão. Naquela época, entre meus 19 e 23 anos, eu vivia apaixonado. Platonicamente. Todos os dias. Trocava uma paixão platônica por outra, sempre havia uma garota que me tirava o fôlego, mas com quem eu não conseguia sequer falar direito sem gaguejar, quanto mais dar uma cantada decente, chamar pra sair, ter um clima... vocês já entenderam. Eu escrevia poemas, compunha canções, sofria nas noites solitárias. A única dessas paixões que se concretizou foi exatamente a única namorada que eu tive na faculdade, mas já conversamos sobre ela na postagem anterior, vamos deixá-la na santa paz da Europa e contar outra história hoje.

Sábado passado fui ao aniversário de uma antiga amiga da Faculdade de Letras. Menina maravilhosa, fui apaixonado por ela um bom tempo, mas como eu disse, "fui", no passado, foi apenas mais uma das minhas paixões platônicas crônicas. Passou, acabou, nunca rolou nada. Nem rolaria, na verdade nós nunca tivemos muito a ver e desde que a conheci ela sempre namorou um cara bacana que era perfeito pra ela, tanto que se casaram. Na verdade, gosto dessas histórias como a deles, de gente que se combina e se acha e dá certo, isso enriquece minhas esperanças na humanidade, ou algo do tipo. Hoje eles são felizes, eu fico feliz por eles estarem felizes, é isso que importa.

Mas continuando: a festa foi num pub um pouquinho escondido (me pareceu) em Botafogo, mas bem legal. Daí vai que nesta festa de aniversário eu fui o único do nosso círculo de amizades que compareci, o que me deixou isolado no meio de todas aquelas outras pessoas que se conheciam e interagiam. Eu não queria interagir com os convidados, eu não fazia parte daquele outro mundo, meu amigos não estavam lá, então tomei meu lugar no limbo do bar, bebendo cervejas e pelo menos um drink afrescalhado que, cá entre nós, estava uma merda.

Começou um show ao vivo e me afastei ainda mais do grupo da aniversariante para poder assistir melhor a banda. Lá pela quarta música sinto que uma loirinha estava em pé próxima a mim. Bem próxima. Agora mais próxima. O álcool já me permitia olhar pra ela de forma mais cara-de-pau do que eu me permitiria sóbrio, então ela falou, meio dançante,
- Os caras mandam bem.
E eu disse
-É. Pelo nome pensei que seria cover do Tim Maia.
Daí ela disse
- É?
E eu disse
- É, o nome da banda é "Filhos do Síndico".

Ela não respondeu. Ou não ouviu, ou não entendeu.

É aí que entra o "eu" que não costumo ser eu e digo
- Mas então, você tá aqui sozinha?
- Não, vim com umas amigas, é aniversário de uma amiga.
- Você tá de carona? Ou trouxe alguém?
- Tô de carona.
- Então vamos sair daqui comigo depois dessa música, a gente conversa melhor e vai pra algum lugar se divertir bem mais do que aqui.

Isso resume um pouco, não vou estender esse texto por cem parágrafos... Eu vi que ela também já tinha bebido "um pouco", arrisquei. E é claro que ela falou
- Espera. Me espera.

Ela foi falar com as amigas. Voltou com a bolsa. Ela deve ter achado que eu era um bom partido, haha. Fechamos nossas contas e saímos. Ela perguntou
- Seu carro tá longe?
- Não... Eu tenho muitos carros. Eles passam toda hora, amarelos com faixa azul.
- Tá de táxi?
- Com táxi não tem erro. Com dinheiro na mão eu vou pra onde a gente quiser, e dinheiro na mão eu tenho pra ir até Teresópolis. Pra onde a gente pode ir agora pra se divertir mais o resto da noite?
- Ah, aí eu deixo contigo.

Pois é, nem eu acreditei. Seguindo a deixa perfeita, pegamos um táxi direto pro meu motel preferido, algo entre o Estácio e o Maracanã. Conversando com ela eu percebi que meu raciocínio não estava tão errado e que ela realmente se sentiria melhor lá do que na minha casa.

O resto não preciso contar. Vocês imaginam daí o que aconteceu enquanto eu me lembro daqui do que aconteceu de fato.

Ela não era exatamente gordinha, eu diria que ela era grande. Tinha uma cintura marcante, e sou louco por cintura. Tinha coxas, bunda e seios de um volume sádico. Tinha cabelos lindos, perfumados, longos, meio loiros e meio castanhos, lisos e macios. Tinha olhos normais, castanhos, mas quase não os vi abertos. Não dormimos depois, e nem depois. Quando nos demos por satisfeitos, resolvemos ir embora. Nem estava de manhã ainda.

Saimos para a rua, paramos um táxi. Botei ela no táxi e disse
- Daqui eu vou a pé, tô perto de casa (mentira). Fica contramão pro motorista (mentira). Te ligo mais tarde, tudo bem (mentira)?
- Tá. 'brigada pela noite.
Ela disse com um sorriso bonito. Eu retribui o sorriso e disse
- A noite foi ótima, adorei te conhecer (verdade).

Ela se foi. Confesso que fiquei olhando o táxi até sumir (o táxi, não eu). Mas não liguei depois, ao menos até hoje. Ela não me ligou também. Isso é bom, até onde eu sei, todos tiveram o que quiseram, ou não, ou ao menos eu tive, e pronto. É assim. Nós aproveitamos exatamente tudo o que tínhamos a aproveitar sem o risco da corrupção de uma convivência prolongada, não nos demos o luxo de nos condenarmos pelo tempo. Por que é que eu antes achava que era diferente? Ingênuo, suponho. Cara, quanto tempo eu perdi sofrendo durante meus vinte-e-pouco e até o começo dos trinta...

Senhor Rudyard Kipling, acho que já sou capaz de sofrer a dor de ver mudadas em armadilhas as verdades que eu disse e as coisas pelas quais um dia dei a vida estraçalhadas, e refazê-las com o bem pouco que me reste.

Então, qual é a moral da história? Nenhuma. Vocês simplesmente acompanharam uma noite na vida de um cara que um dia já foi capaz de se apaixonar, mas que graças às lições da vida ficou prático para seu próprio bem. Meus amores agora são meus gatos e minha conta bancária. Está muito bom assim. Aliás, me desculpem minhas leitoras (ou não), mas desde que a tendência à mínima limerância que seja abandonou minha vida, tenho tido mais sucesso.

Próxima.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Entornei


Minha primeira ideia ao escrever o título deste post foi "Retorno". Depois pensei em "Retornei". Depois pensei em "Entorno". Por fim pensei em "Entornei" e foi esse que ficou.

Existe um lugar ao qual sempre sou enviado por minha mente quando bebo. Há uma culpa profunda por ser meu próprio e maior sabotador desde a mais tenra idade, e sempre que insiro álcool em meu sangue sou imediatamente afundado, cercado pelas memórias daqueles meus sentimentos que costumam ficar mais enterrados pelas pedras do passar dos anos. Não penso nisso todo dia, vivo minha vida muito bem sem pensar, sem sentir isso, sem lembrar desta história, mas quando bebo... Digamos que comigo não tem essa de "beber pra esquecer". Quando eu bebo, eu lembro.

O tema destes dias tem sido apenas um: arrependimento. Estou de férias do escritório, só retorno no dia 23 de agosto. Tenho aproveitado para dormir muito e fazer tudo na hora que eu quero. Sem maiores passeios, sem viagens, pois tive que gastar a grana pra comprar um sofá e pagar contas atrasadas. O que sobrou da grana e do tempo estou gastando em cervejas, vinhos e cinema. E em arrependimento. E em uma teoria louca que envolve voltar no tempo e bebidas alcoólicas.

Tenho ficado bêbado ao menos umas três noites por semana (estou de férias, eu posso), e a cada bebedeira eu me lembro dela, daí eu vou e vejo uma foto dela, e depois outra foto, até que eu tenha então visto todas as fotos que tenho dela. Há tanto tempo. História tão antiga. Se vocês soubessem apenas do relacionamento em si, diriam que foi por tão pouco tempo... mas e se eu contar pra vocês que foi um amor platônico que nutri por anos antes de qualquer chance de concretização? E se eu contar pra vocês que durou pouquíssimo mais que um mês de concretização apenas porque eu fui um covarde, um idiota e terminei com tudo, assim, do nada? Meu Deus, eu devia ter cerca de vinte e um anos, eu deveria ser perdoado por tamanha estupidez. Mas não consigo me perdoar... Penso em como eu poderia ter sido feliz desde aquela idade, digamos, desde o começo. Penso em como eu poderia ter evitado as três vezes em que tive meu coração irremediavelmente partido desde então, me tornando esse cara frio que sou hoje em dia aos trinta e dois. Eu tinha 21, eu tive medo do compromisso, eu tive medo da responsabilidade, eu confundi a porra toda! Eu entendi tudo errado! Eu tomei as decisões erradas!

Não. Nada disso. Dou um tapa na minha cara, depois mais um, me levanto e bebo um copo de água muito gelada. Apesar de tudo, pasmem, eu não conseguiria ser tão egoísta assim. Ela hoje é feliz, então beleza. Tudo certo no fim das contas.

Afinal, qual seria minha escolha se, naquela época, eu pudesse ver como seriam nossas possíveis vidas futuras? Decidir entre a minha felicidade ou a dela? Isto seria tão cruel quanto. Não não... seria mais cruel. E vocês, se pudessem voltar no tempo, teriam feito algo diferente em suas vidas?

Dizem que o álcool libera nossos freios morais, deixa livres aquelas verdades que escondemos sob os códigos de conduta e as máscaras que achamos por bem usar em sociedade. "IN VINO VERITAS", diziam os antigos. Entornei 5 latas de cerveja bem gelada. Entornei-as pela minha garganta adentro nesta madrugada fria de segunda-feira e as verdades transbordaram. Não aguento mais. Quero ir dormir. Depois eu faço a revisão do que digitei aqui.

Na TV a cabo passa um filme no Canal Brasil (66), chamado "Sem Essa Aranha". Li a sinopse mas não consigo identificar a história no decorrer do filme, é tudo estranho, nada faz sentido. Estou cansado, nada faz sentido. Estou bêbado e me afogando em um arrependimento de dez anos atrás que nem deveria existir. São 3:44. Amanhã ao acordar estarei sóbrio e não me sentirei mais assim e vou tomar um banho e vou caminhar pelo Largo do Machado e vou tomar um café com leite em pé na padaria e vou andar até cansar e depois voltar pra casa.

Tudo faz sentido.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Dindinha


Para mim, hoje o mundo parece um pouco menos doce, menos carinhoso, menos acolhedor, e muito mais feio, muito mais desequilibrado, muito amargo...

Ontem, dia 12 de abril de 2010, por volta das 23hs, faleceu minha madrinha (minha e da minha mãe). Faleceu a Dindinha Amélia. Foi embora deste planeta a mulher mais bondosa, amável e incansável que já conheci, igualada (ou, talvez, quem sabe, superada) apenas por sua mãe, Dona Almerinda, a qual conheço apenas das histórias contadas pela minha mãe.

Nos anos 50, no centro da cidade do Rio de Janeiro, no Bairro de Fátima, havia um grupo de lavadeiras que trabalhava e trabalhava, lavando e batendo e torcendo as roupas do mundo inteiro nas bordas de pedra da fonte de uma vila cheia de portugueses. Uma delas era a Dona Almerinda, senhora analfabeta e pobre, pobre ao ponto de, com o mesmo mero quilo de arroz, cozido propositalmente ao ponto de virar papa, fazer disso a sua refeição, o mingau das crianças, e ao apertar a massa dentro de um pano de prato torcido, extrair o sumo que seria colocado na mamadeira do bebê porque não havia dinheiro para o leite. Dona Almerinda era isso e coração, e sua vida cruza com a da minha-mãe-ainda-criança pelo fato de sua filha, Amélia, ser madrinha da minha mãe. Dona Almerinda então passa a ser a Vó Almerinda, avó de consideração, responsável por salvar a minha mãe de um destino mais trágico. Consequentemente, responsável por me salvar também, até onde eu entendo.

Durante todos os anos que podemos chamar de infância, adolescência e início de vida adulta da minha mãe, Vó Almerinda e Dindinha Amélia seriam as duas mulheres responsáveis em inúmeros momentos pelo mínimo de vida normal e pelo máximo de amor e carinho que ela teria. Dizer que elas foram mais família para ela do que nossa própria família, temo, não seria exagero.

Pulando alguns anos, eu entro na história. Quando você escolhe os padrinhos para o seu filho, você tem que pensar "a quem eu confiaria a vida do meu filho caso eu um dia lhe faltasse?". Foi assim que minha mãe me concedeu os seus próprios padrinhos: Dindinha Amélia e seu marido, Dindinho Antônio. E se tinha alguém que merecia Amélia na vida, era Antônio. Se minha madrinha foi uma mulher fenomenal, meu padrinho não fica sequer um metro atrás. Dindinho Antônio ainda está vivo, mesmo que muito doente e já sem muito senso da realidade, distante daquele que habita minhas memórias tão bonachão, de olhos espremidos, bigode fino e sorriso largo... Ele agora vai morar na casa em frente àquela em que passou a vida com Amélia em Campo Grande. Vai morar com seu filho, nora e neta para cuidarem dele, pois até o penúltimo dia de vida, quem também estava ali cuidando do meu padrinho, mesmo sob os penosos enjoos da quimioterapia, era a Dindinha Amélia.

Raras vezes encontrei tanto amor como encontrei em meus padrinhos, e seus sorrisos e seus carinhos são lembranças de infância que carregarei para sempre. É uma pena que minhas memórias sejam incompletas e até enganosas em detalhes menores, por isso só pude contar aqui uma história muito breve e superficial. Ainda assim, eu precisava prestar alguma homenagem à ela, minha Dindinha Amélia, a quem eu vi, abracei e beijei pela última vez na tarde de um domingo, 14 de fevereiro de 2010.

Talvez vocês nunca cheguem a fazer ideia do amor que essa mulher emanava mesmo quieta, parada, mas eu posso garantir. O mundo não é só podridão. Ainda existem pessoas boas e abnegadas, pessoas que encarnam e vivem o bem em sua plenitude, e minha madrinha era assim. Bastava olhar pro semblante dela, bastava seu abraço, seu afago ou sua palavra e você tinha certeza disso, imediatamente. Talvez vocês não tenham amado a Dindinha Amélia simplesmente por não terem tido a chance de conhecê-la, mas se servir de um mínimo de acalanto para seus corações constantemente feridos pelas desesperanças desses dias tristes que vivemos, saibam que a Dindinha Amélia amou um pouco todos vocês, mesmo sem conhecê-los.

Se existe mesmo um Deus... se este Deus é justo, a senhora foi direto pro paraíso. Descanse em paz, querida e única, eterna Dindinha Amélia.

domingo, 7 de março de 2010

Fígado


Há muito tempo não posto algo pessoal aqui, e sei que provavelmente as mulheres que lêem esse blog vão me crucificar (aproveitem, em novembro desse ano faço 33), mas agora vai de qualquer jeito, tem que ir.

É madrugada de domingo pra segunda-feira, e agora ao olhar o relógio vejo exatamente 02:07 da madrugada. Eu já tinha tomado meu banho pra ir dormir, tinha terminado de fazer minha barba pra ir dormir, tinha terminado de escovar meus dentes pra ir dormir, mas fui tomado por uma vontade demoníaca de correr pro computador e escrever. A questão é simples: eu terminei meu último relacionamento. EU. Na segunda-feira de carnaval, eu decidi que era melhor por um fim num namoro que não estava me trazendo boas perspectivas (para o futuro próximo ou distante). Depois de tomar tantos pés-na-bunda federais, era eu quem finalmente decidira pelo fim, só pra ter a tristeza de descobrir as dores que acometem àquele que dá o pé-na-bunda, diferentes daquelas de quem o toma, claro, mas igualmente angustiantes. Vai por mim: igualmente angustiantes.

Não é toda hora que encontramos uma garota bonita, inteligente, engraçada e que te faz se sentir como se tivesse ganhado na loteria. Daí você acha essa garota, sente que ela desperta algo bom em você que nem você mais se lembrava que existia, e você conquista essa garota, e tudo vai dando muito certo... até que tudo começa a dar muito errado. Você percebe que pequenas (médias, grandes e imensas) coisas do dia-a-dia do seu relacionamento estão te irritando mais do que deveriam, que coisas que nem têm a ver contigo ou com a sua própria vida te ofendem, agridem sua concepção do "como deveria ser". Daí você se pergunta por que isso está te aborrecendo tanto, por que você está se deixando estressar por essas diferenças de ideais e de comportamento que, em situações parecidas, você um dia relevou. Daí você genialmente conclui que isso só pode significar que você não ama de verdade. Você gosta de verdade. Gosta muito. Mas amar? Não, não ama. Você se descobre incapaz de amar a garota que poderia ser a garota dos seus sonhos, e então você percebe que você tem um problema grande em suas mãos: você mesmo.

Nesse caso do parágrafo acima, o "você" sou eu, mas acho que vocês já tinham concluído isso sozinhos.

Sei que o rompimento foi doloroso pra ela, foi triste, e sei que ela faz questão de acreditar que pra mim não foi, que eu me livrei de um peso de algum tipo, ou que nunca gostei dela de verdade, mas a realidade eu afirmo (afinal sempre foi pra isso que usei meu espaço pessoal no blog): gostei muito dela de verdade, o rompimento me doeu pra caralho como nem eu esperava que fosse acontecer (como já disse, eu tô acostumado a levar os bilhetes azuis, não a entregá-los) e até agora estou quieto na minha, parado, sem clima pra sair pras baladas e nem pensar em outra (quanto tempo já tem isso? quase um mês?).

A parte mais cômica da história pós-fim de relacionamento é que enquanto eu dizia para o meu camarada que eu não conseguia sair pra night porque estava num tipo de período de luto, sem conseguir lidar comigo mesmo devido a todo o sofrimento que eu tinha causado em uma garota tão bacana, com um puta peso na consciência por tê-la decepcionado daquele jeito e como eu até ainda sentia falta dela, saudades vez ou outra, e tal, e coisa, etc., ora vejam só: ela já começara a sair com outro. Fico feliz por ela já tão prontamente ter conseguido partir pra outra e seguir adiante. Eu, confesso, ainda não consigo. Genial, não é?

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
HAHA...
...

Em resumo, a parada é a seguinte: quem entra na onda de se colocar no lugar do outro e medir o outro pelas suas próprias atribuições, pro bem ou pro mal, só se fode, pois você é você, o outro é o outro, todo mundo é cruel pra caralho com seja lá quem for se for o caso e ponto final. Eu fiz o que fiz por ter concluído que terminar um namoro no começo seria menos doloroso do que depois de um tempo mais longo, e ponderei que aquele sofrimento seria justificado por evitar um sofrimento maior para ambos no futuro. Realmente fiz o que achei certo. Errada foi a minha postura depois, mas tudo bem, eu sempre ando com um nariz de palhaço extra no bolso, ao lado do MP3.

Quanto ao título do texto, é o seguinte: que fígado que nada, o órgão com mais rápido poder de regeneração que existe é o coração feminino. Enquanto isso, leio um artigo que afirma que, de acordo com a medicina tradicional chinesa, o fígado é o verdadeiro órgão que regula as emoções. Pois então, dá licença que eu vou ali inaugurar minha garrafa de absinto e ver se acabo com esse filhadaputa.

Só pra constar, agora são 03:12.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Intransferível


Mascarenhas era chamado de Mascarenhas por todos aqueles que o conheciam, assim, como se fosse um velho funcionário de uma repartição, mas era na verdade muito novo, trinta e tal, e não trabalhava em uma repartição. Ainda assim, ele era Mascarenhas, mesmo que nos últimos meses já não fosse mais sequer o resquício do que um dia imaginou ser, conclusão à qual chegou após vomitar de tanto que chorou naquelas noites insones intercaladas por dias ignorados no quarto trancado.

Ele pediu ajuda a Deus e, não sendo atendido (como já era de se esperar), pediu também ajuda ao Diabo, que o atendeu justamente o ignorando. Sentia tanta falta dela, tanta, queria chamá-la, procurá-la, conversar, barganhar, matar saudades de tudo que havia, aquelas coisas tão especiais. Eles sequer tinham tirado fotos juntos, não havia para onde olhar além de pra dentro de si, e esse foi o maior erro de Mascarenhas naqueles dias mofados.

Acontece que tudo cansa, e mesmo sendo inesgotável o sofrimento, esgotou-se o Mascarenhas. Saiu do quarto, tomou um banho longo e muito útil, bebeu muita água, vestiu-se e foi andar pelas ruas em busca de uma padaria onde pudesse parar em paz para tomar um café da tarde. Olhou detalhadamente para cada bunda feminina que passou revelando um contorno mais saboroso ou uma lingerie mínima, assim como olhou atentamente para cada decote, mas Mascarenhas é um romântico e jamais deixou de olhar de forma contemplativa para os rostos das donas daquelas bundas e daqueles decotes. Independente desses prazeres pequenos, o que ele procurou em todas foram as partes que, em conjunto, formassem ela. Não conseguiu.

Entrou numa igreja e chorou, sentado, abandonado num banco escolhido com cuidado. Voltou para casa mais leve e sem fome, olhou para sua estante, procurou um livro que lhe dissesse algo, mas como não achou nenhum, resolveu escrever um ele mesmo. Começou com um poema imenso e sem rimas, que virou um conto, que virou uma crônica, que começou a parecer uma autobiografia, que por fim virou um testemunho sobre ela ("ela"). Daí, ele... ele se deu conta, caiu em si, num misto de frustração e alívio e frustração de novo.

Num misto de frustração e alívio e mais frustração, Mascarenhas se deu conta de que aquela saudade não passaria jamais, não haveria solução, pois ele sentia falta de alguém que simplesmente nunca existiu. No fim das contas, ou no que levou ao fim, todas as memórias que existiam eram de uma mulher inexistente, uma que ela pareceu ser algumas ou muitas vezes, mas que era apenas isso, pura ilusão na qual Mascarenhas acreditou, só que então não mais. Ainda que a procurasse, ainda que ligasse, ainda que a encontrasse de novo, não encontraria de fato aquela de quem sentia falta, pois ela não era tal mulher, nunca foi. Ele amava uma personagem, uma projeção de seu desejo, mas o filme acabou. Agora, Mascarenhas lia os créditos e percebia a verdade. Triste verdade, no entanto.

Todos sempre carregaremos uma frustração ou mais em nossas vidas, Mascarenhas, e a sua é pelo menos essa: a certeza de sua incapacidade de livrar-se dessa saudade, pois o objeto dessa sua saudade jamais existiu em outro campo que não os seus próprios sonhos e anseios. Ah, Mascarenhas... Sente aí, deite aí e fique. Tenha ao menos você pena de si, pois ninguém mais terá.