sábado, 17 de novembro de 2007

Epístola



Caravaggio pintou a tela acima, apresentando o momento em que Paulo tomou sua cacetada divina e converteu-se, passando então a atuar como apóstolo. No fim, foi preso e decapitado, escapando da crucificação só por ser cidadão romano (Jesus, o cristo, não teve a mesma sorte). Mais tarde, tornou-se santo, estado, capital e time de futebol pentacampeão brasileiro.

Enfim, o que me traz aqui é o fato de que atribui-se a São Paulo um dos textos mais famosos e bacanas da Bíblia, encontrado no capítulo 13 de sua primeira epístola à igreja da cidade grega de Corinto (ou seja, I Coríntios 13). Entre uma variação aqui e outra ali, escolhi a que está abaixo para postagem. Decidi fazer isso porque o texto é sempre citado parcialmente, e esses seus excertos já inspiraram títulos de livros, filmes, poemas e músicas para um público que nem sempre sabe a origem do que consome. Pois então, aqui está o texto na íntegra, para que você não mais o conheça apenas em parte:

"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse Amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse Amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tivesse Amor, nada disso me aproveitaria. O Amor é paciente, é benigno; o Amor não é invejoso, não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo tolera, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O Amor nunca falha. Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos; mas quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; mas o maior destes é o Amor".

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Cinzento


Sexta passada, dia de finados. Sempre chove no dia de finados, mas nesse caso isso só foi verdade na madrugada de quinta pra sexta, pois o dia em si foi de sol, embora um sol estranho. Sexta, sábado e domingo de sol estranho, sol forte, chuva forte, mormaço e céu cinza, dias de um clima propenso à meditação e à reflexão, ou simplesmente a nada.

Da minha parte, eu queria ir à praia. Há muito tempo eu não caminhava descalço pela areia, nem parava pra olhar o mar. No fim das contas, fiquei sem paciência para me deslocar até Ipanema (quem me conhece sabe que é meu lugar preferido nesses casos), então apenas coloquei uma bermuda, meus chinelos e desci para a Praia da Bica, bem perto de onde moro. A praia é um lixo, e digo isso literalmente. A água é verde, a areia é repleta de restos de todas as coisas possíveis, incluindo cacos de vidro. Não me importei muito com isso, eu precisava andar descalço, sentir a areia por pior que ela fosse. A água é da baía de Guanabara, nada de ondas, ao menos não significantes. Suficientes talvez para serem saltadas em algum ritual de ano novo, mas eu sinceramente não recomendo entrar naquela água.

Não havia muita gente por lá nesses dias, pois o tempo estava muito instável. Especialmente no domingo, o céu ficou bem cinza, e eu caminhei por muito, muito tempo, indo de um extremo ao outro da praia pela areia deserta. No MP3, eu ouvia o álbum Love Story, do Lloyd Cole, repetido algumas vezes entre meus álbuns do Cartola, entre outros.

Nessa de andar e pensar e olhar, eu parava às vezes, olhava a ponte Rio-Niterói, e como já disse lá em cima, tentava refletir sobre o que fiz e também sobre o que faço, sobre o que senti e sobre o que sinto, e fiz uma revisão sobre algumas coisas que insistem em foder com a porra da minha cabeça e me fazem pirar. Mas então tinha sido exatamente pra isso que eu tinha ido caminhar na praia, não é? Domingo, tarde de céu muito cinza, absolutamente ninguém na areia além de mim. Foi então que eu me peguei pensando em nada, por alguns breves segundos. Consegui repetir esse feito por mais uns breves momentos depois, e me deu vontade de sorrir com aquele certo alívio, e descobri que preciso fazer isso mais vezes. Recomendo.

Desliguei e tirei o MP3 dos ouvidos, me sentei na areia que já estava meio fria e úmida, abracei minhas pernas e fiquei ali olhando pro outro lado da baía, pra água, pra ponte, pro céu, pro nada, e resolvi ficar daquele jeito até cansar. Pensei ter ouvido o celular tocar, mas foi só impressão. Serviu pra eu ver as horas, e era hora de ir. Eu já estava chegando de volta em casa quando trovões muito fortes trouxeram a chuva. Eu estava satisfeito com aquela tarde, cansado de tanto andar, mas bem disposto. Eu estava sujo de areia suja, pés amaciados e sujos pela areia, foi como eu pretendia que fosse. Eu não estava feliz, mas também já não estava triste, nem com dor de cabeça. Não estava satisfeito com as coisas, mas também já não estava contrariado. E finalmente, debaixo do chuveiro, eu parei e me dei conta de que eu simplesmente estava nada, e isso era bom.

“Found a little piece of nothing and I clung on
Because even nothing feels like something
When something's gone”