domingo, 13 de setembro de 2009
Apocalipses
Orestes foi carregado no ventre de sua mãe por exatos 9 meses, a precisão do parto era algum tipo de prenúncio para sua vida, uma vida certinha e nojenta.
Orestes foi filho único, um bom filho, primeiro neto e primeiro sobrinho. Largou as fraldas cedo e aprendeu a andar e a falar cedo, e sua primeira palavra foi "lua". No jardim de infância, passou incólume, a única criança que jamais foi colocada de castigo no cantinho. Na verdade, Orestes foi o único de sua turminha que contou em casa que a tia da escola fechava a boca dos coleguinhas castigados com fita crepe, o que ocasionou a demissão de Vera, a tal tia. Em casa o dia inteiro, Vera agora só tinha o seu próprio filho para castigar, mas essa é uma história que terminou muito triste e não vou contá-la aqui.
Voltando a Orestes, nós já o encontramos chegando à classe de alfabetização devidamente alfabetizado por seu pai. Aquele teria sido, portanto, um ano muito chato na escola, não fossem os horários de recreio e a descoberta das diferenças entre os sexos no banheiro, afinal, eu-te-mostro-o-meu-e-você-me-mostra-a-sua sempre foi uma troca muito justa.
O primeiro grau nós vamos pular, pois foi um calvário. O segundo grau foi menos pior, mas vai ser pulado também. A grande questão é que Orestes se manteve apagado até os 22 anos, quando teve seu primeiro amor, perdeu seu primeiro amor, caiu em sua primeira depressão, entrou para um grupo de poetas que nunca o chamavam para suas reuniões, saiu desse grupo de poetas, fundou seu próprio grupo de poetas, encerrou seu próprio grupo de poetas porque ninguém quis fazer parte do grupo, caiu em suas segunda, terceira e quarta depressões e então já encontramos Orestes com 33.
Ele nunca chegou a se casar, nunca noivou, nunca sequer namorou firme. Achava que sua vida estava plena desde que tivesse cerveja gelada (ou mesmo morna) e acesso a putas caras em casas de massagem que consumiam seu salário e aquilo que deveria um dia se transformar em suas economias e uma casa própria. De repente, pensando em um futuro melhor, resolveu ir conhecer a Vila Mimosa, onde o sexo custava R$30,00. No caminho, encontrou um senhor que o pegou pelo braço e disse "o mundo vai acabar", a que Orestes respondeu "quando?", e o velho respondeu "em breve", e Orestes perguntou "o quão breve?", e o velho repondeu "muito em breve", e Orestes perguntou "muito em breve pode ser hoje?", e o velho respondeu "não sei, talvez".
Após rodar quatro vezes pelos becos da Vila Mimosa, Orestes avistou uma linda menina branquinha de cabelos pretos e molhados, mas quando se encaminhou a ela um paraíba surgiu do nada como algo que brotasse do chão e a pegou pra passar um papo. Ao seu lado, Orestes viu uma imensa negra em lingerie vermelha que exalava o perfume de sabonete de um banho recente e fresco, e a escolheu. O quarto era como um curral de azulejos brancos e um colchão de couro sintético muito rasgado. "Não tire suas meias", disse a imensa mulher. "Por que?", perguntou Orestes. "Apenas não tire as meias", ela respondeu. Paola era seu nome.
Havia todo um caos formado por muitos cheiros e sons e poucas cores vindas de pouca iluminação, assim eram as vielas da Vila Mimosa e isso invadia o curral onde estavam, mas de repente, silêncio. Orestes lá, aguardando, em pé, de meias, nada estranhou. Paola ainda buscava a camisinha em sua nécessaire quando levantou a cabeça com urgência.
- Ouviu um barulho? - disse Paola.
- Ouviu um barulho? - disse Paola.
- Ouviu um barulho? - disse Paola.
Foi assim que o mundo acabou, mas não para Orestes. Ao menos foi isso que eu entendi.
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Um comentário:
O texto tem agilidade. Corre certeiro para onde interessa.Aguça a curiosidade do leitor com recortes paralelos e não volta para eles.Talvez, um bom exercício, seria tentar de alguma maneira( rápida como percebi que gosta) contar mais do que vc apenas ameaçou. Pq o ameaço foi bom...
A repetição de palavras e frases funcionou.O desafio é procurar ritmo.
bom desafio.
Você já leu o MArcelino Freire? Fala com seu texto.
Voltarei pra te ler.
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