domingo, 10 de maio de 2009
Melhor
"O pior de tudo", pensei, "o pior de tudo é acordar e saber perfeitamente quem eu sou, sempre. Melhor seria acordar numa banheira de gelo sem os rins".
Melhor seria poder passar o dia inteiro sem sequer me olhar no espelho.
Melhor seria nem ter opção, mas o pior é que há, ora vejam só.
Passe-me o cardápio, por favor. Sim, sim, vou querer, vou querer... O prato do dia é um resfriado, não tem jeito. O acompanhamento, opcional, é um sorriso falso. Ok, obrigado.
Pensamentos assim podem nutrir o dia inteiro, o fim de semana inteiro de uma pessoa, mesmo se pensados por apenas dois minutos, desque que pensados nos primeiros dois minutos contados do despertar. Aquele tinha sido um desses, e o futuro encontrava-se taxativamente fadado a não existir mais. Adeus futuro, de agora em diante, há apenas o presente repetindo-se incessantemente, sempre sempre sempre sempre sempre.
No espelho era eu de novo, me enxergando diferente por me achar muito feliz na merda em que estava. Um alívio que só a solidão consegue trazer quando a gente se cansa de desesperar e/ou de desejar. Ah, como é bom não dever nada além de dinheiro... Não dever companhia, não dever obediência, não dever satisfação sexual, não dever passeios, não dever boas notas, não dever atenção, poder ser todo e plenamente vazio num silencioso e vazio fim de semana. Nem para comer me levantarei deste sofá! Decreto. Sem pais, sem namorada(s), sem animal de estimação, sem expediente, sem muito o que arrumar nesta quitinete e o que há para ser arrumado permanecerá desarrumado por tempo indeterminado. Passo as mãos pelo corpo para me certificar de novo de que realmente não retiraram meus rins esta madrugada (sempre tive esse medo de que a realidade se altere do nada ao meu redor e as poucas certezas que eu tenho não valham mais). Se bem que, em minha pobre e humilde opinião de quem fita o teto, poderiam ter levado meus rins, meu fígado e meu coração. Sem problemas.
Não, peraí... o fígado não. Ainda tenho planos para ele.
De resto, tudo o mesmo. "A mesma imagem e semelhança de Deus, oh sim, esse sou eu!", grito, apenas em pensamento (os pensamentos, sempre os pensamentos), pois gritar pra valer cansa e só presta para algo se houver quem presencie. A fome chega e mais uma de minhas juras vai por água abaixo, me levantarei do sofá pra comer.
Na falta de café e pão com queijo, tenho cerveja na geladeira e pizza de supermercado congelada.
Para um café da manhã às 14:39, serve.
"Não serve, Deus?", pergunto.
Deus diz que sim e se retira, mas antes recomenda que eu cheque novamente se não tive meus rins retirados na última madrugada.
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4 comentários:
Conheço um bom atravessador, caso esteja interessado, como parece, na venda dos rins, hehehe. Quando começar a vender os cds, não esqueça de me acionar (muy amigo!!)...
eu me sinto melhor porque o meu pior é pior que o teu.
imagina a cena do sofá de fim de semana as 14.39hs, e tira o alivio de se sentir feliz na merda, colocando no lugar uma consciência absurdamente lúcida de que se deveria estar fazendo algo "útil", acompanhada obviamente da angústia subjetiva e quase física.Tudo porque eu tenho uma mania chata de sempre dever algo para mim mesma,mesmo que eu não queira me cobrar, que eu tente cancelar a dívida por cortesia ou caridade, não tem jeito.
pois é.
um saco ser eu últimamente.
ainda bem que ser você ainda é legal e isso me consola ao poder te ler de vez em quando.
ps. se eu disser que ainda por cima tenho minha pedrinha de estimação no rim me incomodando de novo você vai achar que é piada né?
seria melhor que fosse.
besitos
vim mostrar teu blog pra uma amiga, e admito que estou pasma com o meu comentário acima.
Sabe aquele tipo de anestesia(que não é a geral nem a local,e que eu não sei o nome)em que a gente conta a vida inteira pros médicos durante a cirurgia, e depois não se lembra de nada?
pois então,vou ter que considerar a hipótese de que ler o que você escreve me provoca o mesmo efeito, é que só pode...
Senhor mario elva, não penso em vender meus CDs. Minha coleção é, no mínimo, leiloável!
Flavia, o que dizer diante dos seus comentários? Primeiro, obrigado por prezar tanto meu blog, pela presença constante e pelos comentários sempre de coração aberto! No mais, lamento por sua fase, mas ao mesmo tempo sempre acho que passar por esses momentos é importante, assim mesmo, assumindo que não está bom, se cobrando mesmo! Não finja que não está sentindo-se assim se está. Entendo que "deixar rolar" essa angústia e deixá-la consumir o tempo necessário é fundamental para, na hora exata, a superarmos legal e darmos os passos que nos levarão a... a algum lugar, mesmo que não seja aonde planejamos inicialmente. Quando essa hora chegar (e ela chega sim), não lamente o tempo "perdido" em que ficou se cobrando no sofá, apenas aceite que ele serviu para refletir, passou e faça o melhor para o que vier daqui em diante.
Otimismo demais? Não, falo apenas por alguma(s) experiência(s) que já tive.
Cálculo renal de estimação... Que tal procurar alguém que o bombardeie com ultrassom caprichado e depois sair pra comemorar?
Ah, mostrando meu blog pra uma amiga, heim? Muitíssimo obrigado!!! Se me permite abusar, mostre meu blog para TODAS as pessoas que você conhece! Meu ibope hehehehehe =)
Grande beijo, Flavia. Tentarei sempre preparar novas anestesias para a señorita.
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