segunda-feira, 28 de maio de 2012

Riscos*



"Finalmente acho que chegamos ao ápice", pensou Torquato, ao aprender que as pessoas deixam de se envolver com alguém por perceberem que esse alguém gosta muito delas. Vocês captaram o raciocínio? Há motivo melhor? É o seguinte: alguém gosta de você, você gosta desse alguém. Esse alguém chega pra você e se declara, diz que gosta muito de você, daí você pensa "não posso ficar com essa pessoa, ela gosta DEMAIS de mim, vai que depois dá tudo errado entre nós, nos separamos e ela vai ficar arrasada com o coração partido e blá blá blá... então é melhor não desenvolver". E aí, você não faz isso? Pô, como não? Super normal.

Ah, ninguém mais se regozijou TANTO quanto Torquato ao se dar conta da existência destes imensos corações de ouro! "Vivo em um mundo povoado por anjos", pensou ele. É uma preocupação tão grande com o próximo que você o impede (e acaba impedindo a si mesmo também) de "descobrir no que vai dar" por causa da possibilidade (probabilidade seria um termo melhor para a situação?) de tudo acabar mal no futuro próximo ou nem-tão-próximo ou imediato sabe-se lá, porra! Estamos falando de futuro.

Quando Torquato me passou suas impressões a respeito deste assunto, disse que resolveu escrever um tratado reivindicando o direito ao risco: que possamos viver as possibilidades que nos farão sofrer, chorar, lastimar, sentir falta e até mesmo odiar por alguns dias se for o caso.

Ele me chamou a atenção para o fato de que quem adota este comportamento "tão nobre" está cometendo dois graves erros. O primeiro (e óbvio) é que a dor já está sendo causada na outra pessoa simplesmente pela sua recusa, então você não a poupou de sofrimento algum. "Ah, mas se fosse mais tarde, a dor seria pior", alguém virá me dizer... Pois é aí que reside o erro mais sério: a dor da recusa é mesmo mais leve que a dor da separação, mas ao querer evitar o sofrimento do outro você está automaticamente impedindo o crescimento emocional de ambos, não dando à pessoa a vacina necessária para possíveis histórias de vida e experiências negativas que ainda virão (pois sempre existirão próximas e piores) e não desenvolvendo claramente em si mesmo a noção de culpa, se for o caso, para aprender a distinguir quando é que você tem mesmo culpa de algo ou quando a culpa é meramente das circunstâncias.

Então, pelo bem de todos, não sejamos egoístas no sentido profético da palavra. Arrisque mais e tema menos o desconhecido, pois ninguém tem nenhum controle sobre o que foi, o que é ou o que será. Dê-se as chances e dê chance a quem você acha que a merece, pois você nunca saberá se realmente tudo terminaria mal. Mas do seguinte eu tenho certeza: agindo assim, a única coisa que você está realmente evitando é a sua, ainda que considere remota, possibilidade de ser feliz.

*Texto publicado sem a autorização de Torquato (nome fictício)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Reflita #3



Andando pelas ruas de um Rio de Janeiro outonal, me visita os pulmões um ar frio bom de se respirar. Encaro no alto um céu chumbamente cinza (ou cinzamente chumbo?, parecia tão sólido, agora molhou tudo, já são uns dias assim... enfim) e me pergunto sem pensar a respeito quantos dos prazeres que vivo não são nada além de alívios. Uns meros prazeres negativos, alívios transitórios. Transitórios e vazios, eu acho.

Quanto da paz de quem se afoga está em simplesmente voltar a respirar? Quanto está em perceber que sobreviveu? Eu ando respirando e sobrevivendo e disso eu sei. Me falta saber o que se tem que fazer pra se fazer da vida algo que valha a vida que se tem.